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Anabela Mota Ribeiro

Manuel Sobrinho Simões

05.09.20

Manuel Sobrinho Simões é cientista. Ele diz que não é um bom cientista, e que não é por fala modéstia que o diz, mas por ser a verdade. É, seguramente, um dos maiores especialistas do mundo em cancro da tiróide. Se tiver de definir o que mais gosta de fazer é ensinar. Ensina pelo mundo fora, da China à Turquia, da Rússia aos Estados Unidos. Por isso, talvez se sinta mais confortável se pensarmos nele como um educador. Até porque formar uma escola, deixar uma escola foi, é, a ambição da sua vida. O IPATIMUP (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto) é, por isso, o projecto da sua vida.

Não confia completamente nas suas escolhas intuitivas e refugia-se tanto quanto pode na racionalidade. Mas é de uma amabilidade suprema e afectividade evidente. Tem 56 anos, é casado e tem três filhos.

  

Qual é a recordação mais antiga que tem de si?

Não sei. Estou cada vez mais convencido de que reconstruímos as memórias a partir de fotografias. Não tenho nenhuma memória minha de muito pequeno, na fase pré-escolar, que não tenha a ver com fotografias.

 

Mas isso foi safado pelos anos?

Ou foi construído pelos anos. No outro dia, a propósito da inauguração do Estádio do Dragão, dei comigo a pensar: «Acho que nunca fui lá». Tinha 5 anos quando foi a inauguração do outro estádio. Já era portista, tenho a certeza. E não tenho a certeza se fui lá ou não. Se houvesse uma fotografia que se associasse ao fenómeno, teria construído uma memória sólida sobre isso; só que continuava sem ter a certeza absoluta se tinha ido ou não.

 

Como se precisasse de um suporte físico, de um documento que o reconduzisse à sua história.

Exactamente. Tenho uma grande insegurança da reconstrução da memória se não tiver documentos. Faz sentido?

 

Faz. Embora não consiga compreender porquê.

Nem eu. Mas é assim. Se tiver documentos, tenho uma âncora. Se não tiver documentos, não tenho a certeza. Pode ter a ver com a minha actividade, que é rígida, quer de profissão, quer de docência, quer de ciência.

 

Um dos pressupostos basilares da ciência é o da certeza.

Pelo menos, estamos convencidos da certeza, a partir de dados que existiram ou existem. O segundo problema é o medo de não estar a ser «accurate». Desenvolvi muito o medo de construir coisas e dizer coisas que não estão certas. É natural que isso me tenha obscurecido a memória. Por exemplo, estive um ano na Noruega com a família; os acontecimentos de que me lembro bem são os que têm documentos fotográficos. Pode ser um problema de armazenagem. Aprendi muitas coisas, fui treinado a aprender muitas coisas, e depois, como tive uma vida muito competitiva em termos internacionais, para ganhar, (que não era muito frequente cá), apostei em ser muito sabedor. Fugi sempre da retórica nacional, com a qual tenho uma relação irritante... No limite, pode acontecer que não possa memorizar coisas das quais não esteja absolutamente seguro. Estou a inventar, não tenho nenhuma base para dizer isto...

 

Mas como é que se pode lembrar, por exemplo, de ter dito a uma pessoa que a ama, ou de ter sentido amor? Porque disso não há um registo fotográfico. Podemos reconhecer alegria ou tristeza na expressão de alguém, mas as memórias afectivas não se podem imprimir numa fotografia.

É verdade. Mas, se exceptuarmos coisas muito violentas – a morte do meu pai, o dia em que soube que o meu pai tinha uma doença maligna, que estava metastizada e que era não tratável, ou agora a morte súbita de uma pessoa muito amiga – as minhas memórias afectivas são gradativas. Quer dizer, não tenho momentos. Fui gostando de pessoas. Se estamos a pensar na pessoa com quem casei, fui aprendendo a gostar.

 

Não houve um momento em que tivesse percebido: esta é a mulher que amo, com quem quero constituir família?

Não sei se houve esse momento, não me lembro dele como tal. Como não me lembro em relação aos meus filhos. Em relação aos meus filhos – e é uma coisa que os irrita muito – fui gostando cada vez mais deles à medida em que conseguia estabelecer com eles relações intelectivas. Não achei graça nenhuma aos meus filhos quando eram muito pequeninos.

 

Percebo-o muito preso ao cânone da racionalidade e da ciência mas, por outro lado, tem uma afectividade bastante evidente.

Porque gosto de pessoas. Não acho graça nenhuma a coisas. A nenhuma coisa. A não ser aos livros. Nunca comprei nada para vestir. Nunca passei por uma montra e disse assim: «Eh pá, adorava ter aquele casaco ou aqueles sapatos». Sou curioso. Acho graça a como é que as pessoas pensam. Se não pensam bem, perco-as.

 

O que é isso de pensar bem?

É achar que são inteligentes. De novo, é uma construção, é a minha avaliação externa.

 

O que é, para si, uma pessoa inteligente? Pensamos nos cientistas como seres eminentemente inteligentes e não como seres eminentemente amáveis...

Uma pessoa inteligente é uma pessoa com quem aprendo quando estou a falar com ela. Tenho pouco tempo. Se tiver que identificar o meu grande problema, hoje, é o tempo. Como acontece muito em Portugal, fui ganhando novas responsabilidades sem ter perdido as antigas. Perco a pessoa que acho que não é inteligente porque não tenho tempo para perder com ela. Aqui, a inteligência não é num registo de avaliação de quociente de inteligência, é num registo da pessoa que mostra ao outro que há outras realidades, outras formas de ver o mundo, outras formas de se comportar perante o mundo.

 

Essa definição pode ser aplicada à paixão. Ou seja, como momento de revelação. Há um mundo que se desvela, com a paixão e com a inteligência.

Para mim, isso é aprendizagem. Tenho uma curiosidade brutal. Pela televisão, pela literatura... Se soubesse mexer no computador, teria uma curiosidade brutal pela informação. Uma das razões por que não quero meter-me nesse mundo é porque já estou afogado em coisas. Tenho medo de ser ainda mais matraqueado. O problema maior da nossa cultura científica é a explosão dos conhecimentos. Realmente o genoma e os seus sucedâneos rebentaram com isto tudo... A minha aspiração máxima é aprender aos bocadinhos. Ninguém aprende nada se for submerso numa quantidade infinita de coisas. As pessoas: com quem a gente conversa, com quem a gente vive, se estivermos com atenção, o outro tem um condão de nos ensinar.

 

Aí há duas coisas: uma necessidade muito pragmática de fazer uma restrição à informação que se consome e ao tempo que se perde nisso. A outra coisa são os mecanismos autónomos de resgate: aquilo que a  nossa memória, o nosso processo de aprendizagem autonomamente regista. É um problema interessante para alguém que permanentemente tem a ambição de aprender e ao mesmo tempo se permite tão pouco apreender sem caução.

Provavelmente não quero aprender sem caução por medo. Posso estar errado. Num registo racionalista, é um disparate aprender uma coisa e perder tempo com uma coisa que esteja errada. Uma vez a minha mãe percebeu mal uma notícia da rádio e à mesa disse: «Cantinflas morreu». Lembro-me de ter chegado à escola e de ter dito que Cantinflas tinha morrido. No dia seguinte um amigo meu disse que os pais tinham dito que era mentira, que o Cantinflas não tinha nada morrido. Cheguei a casa furioso, perguntei à minha mãe e ela reconheceu que talvez tivesse percebido mal a notícia. Fiquei irritadíssimo por ter transmitido uma informação falsa.

 

Isso é o embaraço do falhanço.

Do erro.

 

Tinha que idade?

Andava na escola primária, teria entre 6 e 10 anos. E há uma outra coisa: se falar com a minha mãe ou com as minhas irmãs ou com a minha mulher ou até com os meus filhos, eles acham que estou pior afectivamente.

 

O que é estar pior?

Tenho menos tempo, menos disponibilidade. Cada vez mais optimizo o meu tempo e a minha vida em função da obtenção de um resultado.

 

Lamenta isso?

Não lamento porque é o que quero. Tenho pena. Mas é o que quero. Se tivesse que escolher, por que é que me bateria mais: pela Universidade do Porto, pela Faculdade de Medicina, pelo Hospital de São João, por uma cultura mais viva no Porto? Eu bater-me-ia por manter este instituto [IPATIMUP] a funcionar muito bem, por criar condições para que, daqui a um, dois, três anos, quando eu começar a ter menos força, funcione bem.

 

Porque é tão fundamental para si deixar obra? No fundo, é disso que se trata. Quando fala na urgência ou na escassez do tempo, além do tempo comezinho, fala no horizonte da sua vida. Que idade tem?

56 anos. O João Lobo Antunes, no livro que agora estou a prefaciar, diz que tem 59 e que se sente no princípio do Outono. Eu sinto-me bem dentro do Outono.

 

Sente?

Indiscutivelmente. Mas o problema da obra... Os filhos, os discípulos, são muito mais importantes que a obra. É um legado. Vivi toda a minha vida para criar condições de desenvolvimento das pessoas que, ou nasceram comigo, ou vivem comigo, ou trabalham comigo. Não sei porquê. O sucesso de um miúdo meu, seja filho, seja discípulo, seja colaborador, deixa-me muito realizado.

 

Apresentou-me a todas as pessoas que trabalham consigo de modo embevecido. São todos jovens, estão a fazer o doutoramento, são «alunos de 20», para usar a sua expressão, e muitos trabalham em situações precárias.

É uma gente espantosa! Muitos deles, se tivessem tido as condições que eu tive... Era mais fácil no meu tempo. E eu vinha de um pai professor de bio-química que me ensinou imenso em casa. Era o filho mais velho e rapaz. Não havia televisão. Líamos, discutíamos, conversávamos. Na minha casa não houve nunca a tradição de dizer: «Não faças isso que é feio». Dizia-se: «Não faças isso que é estúpido». Não havia nenhuma coisa social com que o meu pai se importasse: se estavámos bem vestidos, se cumprimentávamos as senhoras... Agora, se fazíamos burrices, se não estávamos com atenção às coisas, irritava-se muito. E havia a tradição do porquê, porquê. Era uma chatice para os meus amigos que lá iam a casa porque o meu pai passava as refeições a perguntar «porquê?».

 

O mais extraordinário é que se pergunta poucas vezes porquê acerca de umas tantas coisas...

Mas isso tem justificações com certeza a outro nível. Não fiz psicanálise, no fundo sou um «behaviourista», mas construí mecanismos internos de protecção. No limite, vê-me sempre a procurar fugir a coisas ou que me causam sofrimento ou que me fazem perder muito tempo, ou que me obrigam a ter respostas que não quero ter. Um dos motivos por que as pessoas da minha família acham que me tornei pior foi porque introduzi nos meus mecanismos de decisão conceitos como o da racionalização de recursos, objectivos. Na faculdade tive uma geração de assistentes brilhante; estão todos doutorados, muitos deles são melhores do que eu, são do melhor do mundo. Mas era uma coisa que dependia do Estado, eu só era responsável pelo doutoramento.

 

Agora é o pai.

Não, pior! Agora sou responsável económico pelos vencimentos das pessoas. Isto pode parecer uma coisa muito ridícula...

 

Um pai tem de comprar os iogurtes para os filhos!

Mas é uma responsabilidade do arco da velha.

 

Na «Odisseia», quando Ulisses vai ao Hades, um dos mortos a quem não tinha sido dada sepultura, pede-lhe que se ocupe disso no regresso ao mundo dos vivos. De outro modo, não poderá nunca ter paz. A passagem ocorre-me porque falamos de legado e de uma honra que é feita aos mortos. Quando assume essa responsabilidade perante os seus educandos, que legado pretende deixar, que honra pensa que lhe será feita?

Não sei e não me importa muito. Gosto de ter poder para poder transformar as coisas e ver o que acontece. Tenho de ter sempre um «output». Ao saber enciclopédico, não acho graça nenhuma. Acho graça saber para poder lidar, e transformar. Sou um tipo com um «drive» muito forte pelo poder. O que não tenho, curiosamente, é nenhum «drive» pelas formas simbólicas do poder. Portanto, não queria ser ministro porque acho que têm muito simbolismo de poder e pouco poder. Neste equilíbrio entre o que é simbólico e o que é poder, tenho mais poder como director de uma instituição como a nossa, (que é privada e sem fins lucrativos), do que como ministro ou director de um hospital ou de uma faculdade.

 

Aqui tem um poder mais efectivo e nada simbólico.

Exactamente. Não sei nada disto, mas o meu amigo Júlio Machado Vaz dizia com piada que eu, aparentemente, tinha muito o «drive» pelo poder, pelo fazer coisas, e até os aspectos da vida sexual e da vida afectiva eram utilizados ao contrário. Quer dizer: podia ter respostas afectivas exageradas se por acaso não tivesse conseguido o que queria neste domínio.

 

Uma coisa a compensar a outra.

Há aquela ideia de que os tipos que querem o poder são basicamente muito libidinosos, e eu era ao contrário. Ele dizia isto há muitos anos. O que sei é que fazer uma escola foi sempre a minha aspiração. E a escola pode ser a escolinha dos seus filhos, ou pode ser a escolinha dos seus filhos e sobrinhos, ou pode ser a escolinha um bocadinho maior dos discípulos e das pessoas com quem se trabalha. É verdade o que diz sobre o deixar obra, deixar discípulos, pessoas que de alguma maneira vão mais longe do que fui, e ser capaz de fazer. Há um aspecto que não é muito frequente nos intelectuais portugueses: nesta idade, continuo com um ritmo de publicações científicas relativamente raro. Porquê? O que é que estou a defender? Não sei.

 

Porque é que se sente tão precocemente envelhecido? Tem 56 anos.

Porque fiz muito. E tenho sempre medo de perder. O sentir-me envelhecer é uma desculpa apriorística das derrotas futuras. (Estou a inventar, também...) A competição científica no mundo de hoje é terrível. A América aguenta-se; todos os anos aparecem lá dezenas de emigrantes extraordinários com uma vontade de trabalhar até em condições que não são as melhores. A América tem mecanismos de absorção desses emigrantes e depois manda-os embora quando as coisas não correm bem. A Europa está a tentar nos países mais desenvolvidos começar a fazer isso. Nós, em Portugal, estamos muito afastados dessa Europa. Este instituto começou em 89 e sou director desde 89. Como eu, muita gente. É uma geração ainda de fundadores. Só vamos ter sucesso se, quando sairmos, as coisas continuarem a correr bem. Isto é assustador. Claro que se torna mais assustador se por motivos conjunturais, políticos, há uma restrição orçamental.

 

Mas isso é uma coisa conjuntural. O desaparecimento é estrutural.

O meu medo de isto não se aguentar não tem a ver com esta fase mais ou menos difícil. Tem a ver com uma coisa que é: vamos ver se conseguimos ou não fazer instituições. O Eduardo Lourenço fez uma coisa extraordinária sobre o que é que ele considerava ser a diferença entre a América e a Europa. Pôs muito a tónica na crença. Os americanos tinham crença, tinham religião, e a Europa era marcada ainda por uma visão francófona de descrença da Revolução Francesa. Tempos antes tinha havido um editorial do New York Times dizendo uma coisa extraordinária: cerca de 80% dos americanos acreditam na Virgem Maria e só 20% acreditam na Evolução. Na América há crentes e não crentes. Se agora for ver os crentes, 90 e tal por cento acreditam na Virgem, mas 47% dos não-cristãos acreditam também na Virgem. Isto, para nós, europeus, não faz nenhum sentido.

 

Isto tudo vinha a propósito da sua ambição em fundar uma instituição que perdure.

Não temos instituições. A meia dúzia de instituições que existem mantêm-se mais por inércia. A igreja Católica é uma, a universidade é outra. A instituição tem um aspecto muito interessante que é estar num segmento de partilha. As pessoas aqui têm amor à camisola e gostam disto. Mas não é pelo aspecto simbólico. É porque o pertencer a isto é uma chancela de que a pessoa é capaz e está a fazer coisas. O politólogo Allan Minc, em entrevista à Maria João Avillez, considerava que o mais grave no mundo actual é o desaparecimento das instituições. Os sindicatos desaparecem, as associações de patrões desaparecem, a igreja o mesmo. Ele acha que a ausência de instituições cria um terreno fértil para o populismo.

 

Ou seja, há uma demissão colectiva e depois há uma emergência de uma outra força hegemónica, que reconduz e dá sentido.

Acho que isso está a acontecer em Portugal. Perguntava-me uma coisa que eu nunca me tinha perguntado a mim mesmo...

 

Lá está a fuga aos porquês...

Faço porquês sobre os acontecimentos exteriores, não faço sobre os interiores.

 

Pois. Essa é que é a grande questão!

Só gosto de fazer perguntas para as quais tenho uma possibilidade de encontrar um instrumento de descoberta.

 

Descoberta segura.

Claro, claro.

 

Claro para si, que é um cientista. Para mim não é nada claro. Na minha acepção, a descoberta poderia ser um clarão, um vislumbre. Não é possível aferir a cientificidade de um clarão, mas é um vislumbre de qualquer coisa. A si, não lhe basta.

Pode ser por medo, de novo.

 

Alguma vez teve medo de não ser inteligente? De não estar à altura?

Tenho muitas vezes.

 

Ainda?

Sou de uma insegurança muito grande. Faço muitas conferências e gosto muito de ensinar. Adoro ensinar em ambientes hostis e difíceis, como os Estados Unidos. Ou em ambientes muito simpáticos, como a China, a Turquia e a Rússia. No entanto, na manhã do dia em que vou ensinar, tenho uma tosse quase próxima do vómito. Que tenho desde o tempo em que fazia exames na instrução primária. Continuo a ter a angústia do desempenho. Eu e as minhas irmãs e os maridos delas estamos, por exemplo, em Arouca. Estamos a fazer um jogo qualquer, imagine a atirar dardos; se houver uma competição, a minha «performance» melhora imenso e a da maior parte das pessoas piora.

 

Ou seja, quando se aplica é a sério.

Aplico-me mais ainda quando há um propósito e quando há uma componente de ameaça, que é de perder, no mínimo. Isso não me dá tremideira.

 

Aí vai.

Mas antes tusso. Fui sempre assim e continuo a ser assim. Portanto, a minha vida é ensinar por esse mundo fora e gosto muito. Se tiver que identificar a coisa que mais gosto de fazer, é ensinar. Quero que as pessoas aprendam comigo. Tenho os tipos que foram meus alunos e que depois me mandam casos para saber se estão a acertar ou não. Tem muita piada vê-los a acertar sempre. Como deve ser uma coisa extraordinária para um professor ensinar um menino a ler.

 

Está a fugir à minha questão.

É verdade que está a tocar numa coisa em que nunca tinha pensado. Uma dualidade entre uma aproximação por objectivos e que tem um «output» que se mede, que é o fazer. E uma outra que é uma aproximação que, por definição, não pode ser tão objectiva. Tenho uma actividade profissional que é pôr diagnósticos, chamar nomes às coisas. Tenho uma biópsia, aquilo vai para o microscópio, eu digo: «Isto é uma lesão benigna, chama-se assim, deve ser tratada assado». Esta atitude tem muito pouco de científica. Estou a rotular uma coisa, para rotular essa coisa uso uma quantidade de informação que tenho e que ganhei com tipos mais velhos que já tinham visto muito, mas é uma atitude muito subjectiva e autoritária.

 

Como assim?

Como é que sei que estou certo? Sei porque fazemos circulação de casos difíceis por todo o mundo e sabemos quais são os nossos «scores». Mesmo que esteja errado, estou a fazer como fazem mais dez ou quinze especialistas considerados os maiores do mundo. Isto é assim que funciona. A actividade profissional de um médico – que é parecida com esta – não é muito científica. É uma actividade «focused» num doente, num caso. A minha actividade investigacional é fazer perguntas. Isto é, quando estou a fazer um diagnóstico não faço pergunta nenhuma.

 

Dá respostas.

E a minha actividade investigacional é fazer perguntas... Porque é que em Chernobyl apareceram-nos cancros de um certo tipo? Na minha vida de todos os dias defronto-me com dois desafios que são diferentes.

 

O da pergunta e o da resposta. O seu percurso não é o que é justamente porque esteve sempre em dois tabuleiros?

É o que é e tem todas as vantagens e todas as desvantagens disso. As pessoas pensam que é por falsa modéstia que digo, mas não é. É porque é verdade: não sou um cientista. A minha actividade básica é ser professor e é ser profissional. Não sou um bom cientista.

 

Porque não é em exclusivo?

Porque não sou em exclusivo e porque em grande parte do meu tempo estou a utilizar formas de pensamento não científico. Não há ninguém que consiga ficar bom com essa dispersão. Tenho dois mundos: um onde dou respostas; mas, se for esperto, levo aquilo para outro universo onde posso fazer perguntas. É a interface entre a clínica e a investigação. Como há pouca gente que faça isso, temos um registo de publicações muito bom. Mas não vamos ganhar o Prémio Nobel.

 

Mas há uma completude a que pode aspirar e que não é compatível com o Prémio Nobel.

É o que é possível e é optimizar as condições que temos. E o futuro? Bom, espero que alguns destes miúdos biólogos e bio-químicos possam centrar-se na investigação e podem ser excepcionais. Se incorporarem algumas coisas que aprenderam connosco e mantiverem um percurso intelectual sólido e sempre direccionado para as perguntas, alguns podem vir a ser geniais.

 

Contrariando a tradição familiar, refutou a possibilidade de ser médico. Disse-me uma vez que foi por não conseguir encarar a falibilidade com que o médico tem de lidar todos os dias. Quando opta pela via de diagnóstico, onde as coisas estão mais circunscritas...

Estão muito circunscritas! Uma coisa é olhar para um doente e ele dizer que lhe dói o estômago, há quanto tempo é que lhe doi? É um universo difuso. Outra coisa é haver um médico que já disse: «Este tipo tem um problema no estômago». Meteu-lhe um endoscópio e tirou-lhe um bocado e manda-mo para mim: «Ó Sobrinho, este tipo queixa-se disto assim-assim. Você acha que estas lesões justificam as queixas?». Esse médico, que é o meu intermediário, já fez o trabalho que tenho medo de não saber fazer bem.

 

Foi mesmo por puro medo que não seguiu essa via?

Medo e pena dos doentes. Quando andei em Medicina só vi doentes pobres. O meu pai não fazia clínica privada. O meu avô e o meu bisavô faziam clínica privada mas em Arouca, que é um meio muito pobre. Os doentes que vi no hospital, como aluno de Medicina na década de 60, eram pessoas pobres. A doença fundamental deles era a pobreza, o isolamento, o não terem ninguém para lhes fazer a sopa, o viverem em casas húmidas.

 

Essa memória reporta-nos à sua infância, às férias em Arouca onde acompanhava o seu avô em peregrinação. Acompanhava-o no cavalo, não era?

Quando ele saía a cavalo, eu não ia. Só ia quando ele ia de táxi. Porque os doentes não tinham carro e mandavam-no ir de táxi. Havia essa miséria, sempre. É da minha infância, e depois no [Hospital] São João foi a mesma coisa: é o velhinho ou a velhinha que estão com uma pneumonia... E aí não há nenhuma heroicidade na Medicina.

 

Não?

Vai mandá-los para casa. Impede-os de morrer, mas manda-os para uma vida onde se morre de repetidos factores de risco. Vão continuar a viver em casas húmidas, sem aquecimento, sem ter quem tome conta deles. Em cirurgia há uma componente heróica, de decisão. Mas nunca tive jeito nenhum de mãos, estava fora de questão.

 

Posso perguntar que idade é que tinha quando morreu o seu pai?

Morreu em 89. Eu tinha 42.

 

Foi o ano da fundação do IPATIMUP. Já tinha sido fundado ou ainda não?

Não, estava muito próximo. O meu pai adoeceu no princípio do ano e nós tinhamos começado nessa altura a fazer a fundação. Foi muito difícil. Eu fazia autopsias porque sou patologista. O que é que eu achava que acontecia às pessoas? Só quando o meu pai morreu é que percebi o que era a morte. Já tinham morrido os meus avós que eu adorava, mas não me apercebi que se morria. Só me apercebi que as pessoas morrem mesmo quando morreu o meu pai. Ele teve uma doença prolongada, cancro do pulmão, e eu e as minhas irmãs e a minha mãe pudemos fazer o luto ao longo do tempo. Eu levava-o para fazer radioterapia e íamos numa ambulância. Ele adorava, porque sentia que o estávamos a tratar, mas tinha vergonha que as pessoas o vissem numa ambulância no centro do Porto, tapava a cara. A memória mais pungente é a fragilidade social da pessoa. A exposição.

 

O poeta Jorge Sousa Braga, que é também ginecologista, tem um poema em que fala do horror que sentiu ao ver passar num saco plástico o útero da mãe, depois de histerectomizada. Era a sua primeira casa a passear-se num saco plástico... O facto de lidar diariamente com a histerectomia, não suaviza o embate emocional com a realidade.

É. Foi uma fase muito difícil, embora pense que a morte súbita teria sido muito pior. A morte súbita coloca-nos problemas de acerto de contas com o passado. A morte previsível permite-nos ajustarmo-nos e, mal ou bem, dar ternura.

 

No seu trabalho lida com tecidos mortos e vivos. E com a iminência da doença e da morte.

Pior do que isso: lido com o cancro. O cancro não é uma doença como as outras. Praticamente todas as doenças são resultado da interacção da nossa constituição com o ambiente, são uma coisa de mutilação. O problema do cancro é que é uma coisa que cresce dentro de nós mas que é o contrário da mutilação. É o crescimento descontrolado de uma coisa que é geneticamente igual e que vai construir um tecido; como esse tecido não vai respeitar as fronteiras, às vezes acaba por nos matar.

 

É uma imagem completamente belicista. Trata-se de invadir fronteiras...

Mas a partir de dentro. Não há nada tão parecido connosco como o cancro. Não tem nada a ver com as doenças tradicionais. Não é uma doença. É um modelo. É a conservação no nosso organismo de células capazes de reconstruir o nosso organismo. Fora do sítio apropriado e com alterações mínimas genéticas elas constroem um ser.

 

Como se fosse uma má clonagem de nós mesmos.

É um outro de nós que vai crescendo, que demora anos, que tem a mesma lógica. Fui muito treinado a trabalhar com tecidos, vivos ou mortos. No morto era para interpretar. Depois interessei-me pelo cancro porque era uma nova vida dentro da vida da própria pessoa. Só que essa nova vida é tão descontrolada que pode acabar por matar o hospedeiro. As pessoas não têm bem noção.

 

Perguntei que idade tinha quando o seu pai morreu porque pensei no orgulho que ele teria em si e na fundação do IPATIMUP. Alguma vez lhe disse que tinha orgulho em si?

Não.

 

Mas não tinha ou não manifestou?

Tínhamos aquela coisa de termos uma educação espartana, sempre com muito pouco dinheiro. Era o que se esperava.

 

Mas transcendeu esses limites. Foi para o estrangeiro.

Fiz doutoramento cá e pós-doutoramento na Noruega. No meu tempo não se deixava fazer o doutoramento lá fora. A Faculdade de Medicina tinha essa política porque tinham perdido muita gente que se tinha doutorado lá fora e não tinha voltado. Mas o meu pai também tinha feito o pós-doutoramento em Oxford com um professor que era Prémio Nobel. Acho que ele tinha orgulho, mas nunca... Eu tive uns prémios no Instituto Britânico, e lembro-me de ele ter dito: «É pá! Tu até aqui te safaste bem!» O que ele achou é que aquilo era fora do dever. Quer dizer, ser bom aluno na escola, no liceu ou na faculdade, era o meu dever. Ir para o Britânico e ganhar prémios... Foi assim a única vez que deixou escapar algo parecido com orgulho.

 

O que é que se lembra de ter sentido nesse momento?

Orgulho. Orgulho por interposta pessoa.

 

E orgulho em si mesmo?

A única vez que, para mim próprio, me senti orgulhoso... Fiquei feliz de ganhar o Prémio Pessoa. Não esperava. Era fora do dever. Há outra vez: quando tinha 36 anos, recebo uma carta do maior patologista do mundo que ia fazer uma reunião em Itália com 12 patologistas, 6 americanos e 6 europeus. E convida-me a mim. Os outros 11 eram os meus heróis na tiróide. Podiam todos ser os meus pais ou os meus avós. Eu lembro-me de ir de combóio com a minha mulher e ter uma alegria pueril de «achievement». De novo por ser inesperado, por ser com os meus heróis. Tive sempre isso. Mesmo com o futebol. A minha mãe contava que um dia cheguei gago a casa, não conseguia falar porque tinha estado ao pé do Barrigana.

 

Há alguém que trate por tu de quem seja íntimo?

Sim, os meus colegas.

 

Mas são só rapazes?

Também raparigas. Muito poucas, é verdade.

 

Nunca conseguiu tratar a sua mulher por tu?

Não. Nem os meus filhos. E é muito engraçado porque eles tratam a minha mulher por tu e a mim não. É «o pai». Podem dizer se for em gozo «Ó Simões! Tu».

 

É uma estética, uma música própria?

É muito a aquisição de um hábito e depois a manutenção do hábito. Tenho uma história com piada. Na revolução, eu era vagamente esquerdista...

 

E achavam que era beto porque tratava a namorada por você?

Não, foi uma coisa pior. Estávamos a fazer uma reunião lá em casa com uns esquerdistas puros e duros, e a minha mulher entrou e perguntou: «O menino...?». Foi uma barraca! Se tivesse um buraco para me meter... Há um problema de sonoridade, há um problema de ternura...

 

De pudor?

É, de pudor. Mas isso também é muito de geração.

 

Ia perguntar se não era muito uma coisa da sua família. Essa educação espartana, essa expressão cerimoniosa dos afectos, não tinham que ver com o pudor?

É indiscutível. Mais para os rapazes do que para as raparigas. Se for consigo na rua, por exemplo, ando sempre a saltar, para ir do lado de fora. Nos países nórdicos os meus gestos de gentileza para com as mulheres são considerados excessivos. Mas cá acontece-me uma coisa muito chata. Se há uma rapariga ou uma mulher que se vem sentar na minha mesa, levanto-me para ela se sentar. Depois, se for uma pessoa dessas agitadas, torna-se uma coisa de um ridículo atroz.

 

Como é que se apaixonou? O amor passa por um reconhecimento progressivo. Mas a paixão irrompe como um clarão.

O Porto é uma cidade muito limitada, de tribos, e a gente dava-se com os filhos dos amigos dos meus pais. O meu pai conhecia o meu sogro profissionalmente. Conheci a minha mulher em casa de amigos. Se tiver que identificar a característica a que achei piada foi à gentileza. Depois, percebi que a tinham convidado porque ela ia também para Medicina. Como era muito bom aluno, quiseram-nos apresentar. E pronto.  

 

Gostava de identificar o elemento dissonante que desperta a paixão. Fala na doçura da sua mulher: faz todo o sentido que o tenha impressionado se pensar na sua educação espartana.

É verdade. Mas agora vamos imaginar que a minha mulher, que tinha aquelas características físicas e vocais e tal, não era da minha tribo. Não sei se teria casado com ela.

 

Isso é a marca do Porto?

Não sei. Mas é seguramente a marca de uma sociedade que tem, apesar de tudo, alguma tendência para nos reconhecermos no grupo. Se o clarão da doçura surgisse no contexto de uma outra tribo não sei se era suficiente para casar. Casar era uma decisão relativamente pensada. Todos os meus amigos puderam decidir da sua vida com uma segurança e uma previsibilidade que os meus filhos não têm. Sabíamos que havia vagas, que ficávamos colocados. Os meus filhos não sabem se vão ter lugar no Porto, não sabem como é que vão viver.

 

Que marca é que lhe deixou a vida no estrangeiro?

Trabalhei muitos anos nos Estados Unidos e na Noruega.

 

Foi para os Estados Unidos a primeira vez em 77.

Estive duas ou três semanas. Depois fui várias vezes. Doutorei-me cá em 78 e depois em 79-80 fui um ano para a Noruega. Passei a ir para a Noruega por períodos de 3, 4 meses. Para os Estados Unidos, 2 meses. Por ano devia dar uns 5 meses fora. Na Noruega fui para Oslo, que é uma cidade muito provinciana. Os Estados Unidos também são muito provincianos. Nunca vivi num ambiente cosmopolita, nunca vivi em Nova Iorque.

 

É muito extraordinário que, tendo vivido fora e privado com elites, não tenha vivido nunca num universo cosmopolita.

Oslo, Filadélfia ou Kansas são sítios onde estou muito tempo, onde trabalho em laboratórios. Eles eram mais provincianos, mais fechados do que o Porto. Eu e os meus filhos éramos notados na cantina, na Noruega, por sermos morenos. Nos Estados Unidos as mulheres são muito pouco interessantes e estabelecem muito poucos contactos de relação. Uma vez, estava em Filadélfia, havia 3 ou 4 miúdas interessantíssimas. Elas nunca me acharam graça a mim... Um dia uma veio perguntar-me se podia fazer uma pergunta pessoal, o que me encheu de curiosidade, confesso. Perguntou-me se lavava a roupa em casa ou se levava à lavandaria! Portanto, não tenho nenhum treino de cosmopolitismo.

 

Porque é que voltou sempre ao Porto? Nunca pensou seriamente em ficar lá por fora?

Fui tarde. Tinha 32.

 

O que é esse tarde? Já tinha a família constituída?

Já tinha os miúdos. Foram comigo, os meus filhos e a minha mulher. E depois há isto. A amizade que se tem por uma pessoa que interrompe uma carreira tão «sucessfull» para ir consigo para a Noruega é muito grande. Sobretudo porque fui para lá dar um salto na minha carreira. A Noruega não era um desafio interessante para a minha mulher. A Noruega não tem luz. Ficar ali, depois? Nunca cheguei a equacionar.

 

O regresso prende-se mais com o amor pela família e menos com o amor pelo país. O reconhecimento de casa remete mais para a família e não para um espaço físico, uma pátria. É menos a geografia e mais os afectos.

Muito mais. Agora que me está a perguntar isso, não tenho dúvida nenhuma. Nunca tive a noção de Portugal. Tive sempre a noção dos tais afectos e, se quiser, há um elemento regional. Porque, quando voltei, voltei para o Porto. É a minha casa afectiva. Tenho dificuldade em enfrentar ambientes novos. Estou a ficar parecido com o meu pai, vou sempre aos mesmos restaurantes. Mas sempre quis ter uma escola, a minha ideia era fazer uma instituição. Não percebo porquê.

 

Trata-se de ter um suporte físico a que se agarrar. Como as fotografias que fixam as suas memórias. Procura uma configuração para as coisas, que seja clara, e à qual se possa ancorar.

E onde me sinta bem. É verdade: fujo de situações de não reconhecimento. Se tiver âncoras físicas sinto-me bem. Estou a lembrar-me de uma história engraçada. O barbeiro ia lá a casa, o senhor Borges, que era o alfaiate, também ia lá a casa. Antes era assim. Quando casei herdei o alfaiate do meu sogro, que é o senhor Manuel, que ainda tenho hoje. Nunca comprei nada para mim, como lhe disse. Um dia tinha uma camisola Burberrys de que gostava muito e que se queimou no fogão da sala. Como ia a Londres a minha mulher indicou-me a loja para comprar outra. Entrei, estava a olhar para as camisolas e nisto aproxima-se uma menina que me pergunta o que desejo. E eu entrei em pânico e vim-me embora.

 

O diagnóstico de si é fugidio... Está sempre em fuga. O seu trabalho, ao contrário, é muito determinado, seguríssimo. Numa conferência em Serralves, recentemente, algumas pessoas comoveram-se ao ouvi-lo. A si, o que é que o comove?

Comovo-me com muita facilidade. Há uma coisa que tenho: sou muito verdadeiro. Apercebi-me que esta coisa do Prémio Pessoa, enxertado no Porto 2001, me ia dar uma exposição filha da mãe. Pensei que a única safa que tinha era a de ser tão próximo de mim quanto possível. Decidi que ia ser muito verdadeiro e que não ia mudar o meu registo. Por exemplo, digo muitas coisas de calão. Uso uma linguagem a que as pessoas não estão habituadas, por não ser tão politicamente correcta e tão estruturada como é costume. E uso o meu dialecto do Norte. Acho que isso comove as pessoas.

 

Essa proximidade.

Há uma proximidade e há verdade. E há uma linguagem que não é cifrada. Estávamos a falar do que me comove; choro com uma facilidade extraordinária. Se tiver que identificar o que mais me faz chorar é o cinema. As despedidas não me fazem chorar. Mas não posso ver um reencontro. Se me lembrar do meu pai tenho vontade de chorar. Gostava muito do meu pai. Tenho vontade de chorar, mas não choro. Se calhar, por falta de estímulo imagético. As coisas que me comovem são representações com as quais me identifico. A única que é claramente repetida é o reencontro. O que é curioso porque não tenho nenhum trauma desse género, que eu saiba.

 

Tem um instinto de defesa muito apurado.

E muito estruturado. Para voltar à mesma coisa: o que me comove são quadros.

 

São fragmentos.

E com figuras. Não me comovem ideias. [pausa] O que me tem estado a perguntar desde o princípio é o que me faz correr. Sei que há um elemento de ter discípulos, ou filhos, ou sobrinhos, e que isso para mim é a minha prova de sucesso. Se para um empresário é ganhar muito dinheiro, para outro tipo qualquer pode ser ter uma casa na falésia. Eu preciso indiscutivelmente de sentir que fiz escola. Mas porque é que tenho isso? Não sei.

 

 

 

Publicado originalmente no DNa do Diário de Notícias em 2004