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Anabela Mota Ribeiro

Mário Ferreira

13.10.14

Mário Ferreira desde cedo “estava a ficar com a cabeça orientada para sair de Portugal”. Deu várias voltas ao mundo.

Mário Ferreira “não gosta muito daquela malta emproada que chega cheia de “sirs”. É um self made man que não espera que lhe chamem “sir”. Mesmo que seja um senhor.

Mário Ferreira, ou o Super-Mário, é muito mais do que o português excêntrico que quer ir ao espaço com Richard Branson. É uma pessoa que acredita que “existem oportunidades em quase tudo o que fazemos no dia-a-dia. As pessoas só não as agarram porque não querem”.

Ele agarrou as oportunidades. E mais do que tudo, procurou-as.

Tem uma história que vista de longe tem o seu quê de inverosímil. Como quando vemos um filme e o enredo nos parece exorbitante. Mas a história comprova que a realidade é sempre mais rica do que a ficção. E o casamento com uma americana milionária, ou multimilionária, é só uma parte disso.

É muito mais do que um novo-rico, mesmo que o seja. Sem complexos. Como diria Joe Berardo, seu amigo e padrinho de casamento, “what you see is what you get”.

Nós encontrámo-nos na Bolsa (a sua empresa, Douro Azul, deverá ser cotada ainda este semestre). Durante quase duas horas falou para o gravador, com sotaque à Porto e com bichos de carpinteiro. Depois posou para as fotografias, já com o diacho do nervoso do almoço à uma. (Há que ser pontual.) Pelo meio, ofereceu-me três livros de fotografia, uma das suas paixões. Acham que é por ele achar que cai bem? Não. É por ter orgulho no que faz, e uma parte disso está naqueles álbuns de fotografia.

Nas páginas seguintes não se fala de Hugo Pratt, aventureiro dos mares do sul. Nem de “Moby Dick” de Melville. A história de Mário Ferreira, cabe nessas, mesmo que ele não saiba.

 

Conte-me a sua história, por palavras suas.

O que foi mais marcante, e que continua a marcar a diferença na minha vida, foi ter tomado uma decisão aventureira aos 16 anos. Isto dito em palavras simpáticas, porque se a minha filha, que vai fazer 16 anos, me dissesse o que eu disse ao meu pai, ficava preocupado. Decidi sair de Portugal sozinho e ir para Londres. Foi o maior desgosto que dei ao meu pai. Tinha estado em summer camps em Inglaterra, com 14 e 15 anos. A vida em Inglaterra, e os miúdos que lá viviam, da Noruega à Holanda, tinham mentalidades diferentes das nossas. Estava a ficar com a cabeça orientada para sair de Portugal. O meu pai não apoiou a ida. O apoio era pagar-me o avião e pelo menos a primeira e segunda semana. Depois trabalhava na apanha dos morangos para poder ficar mais tempo. Os meus pais já estavam divorciados, pedi à minha mãe, e ela deu-me o dinheiro.

 

O que é que disse ao seu pai?

Disse que ia e que tinha intenções de ficar. O sonho do meu pai era ter um filho doutor. O maior desgosto do meu pai foi o meu avô nunca ter tido posses para que ele continuasse os estudos – por isso percebo o drama. O meu pai é o tipo de pessoa que tem a 4ª classe e que ainda hoje tem o diploma (giríssimo, nem as licenciaturas têm um diploma tão lindo), os livros todos, da 1ª à 4ª classe (giríssimos), tudo guardado religiosamente. E então disse-me: “Se fores contra a minha vontade, sais e não voltas a entrar”. Foi uma decisão arrojada. Conhecendo bem o meu pai, quando assumi aquilo, sabia que não podia voltar atrás.

 

O que é que fazia o seu pai?

Trabalhava na APDL, naqueles guindastes grandes, no porto de Leixões. Conseguiu fazer com que eu gostasse de barcos. Ofereceu-me uma máquina fotográfica, uma Zenit, russa, com um estojo com todas as lentes. Comecei a fazer fotografia assim, autodidacta. Vinha a caravela Sagres, os submarinos. Desde os 8 anos que adorava fotografar aquilo. 

 

O seu pai trabalhava na APDL, mas havia dinheiro para lhe oferecer um estojo desses e pagar summer camps.

Sim. O facto de o meu pai ser de origens muito modestas não quer dizer que eu tenha sido criado nas mesmas circunstâncias. Fui criado na classe média, já tínhamos televisão a cores. Não éramos ricos, mas nunca nos faltou nada. Podíamos andar nas melhores escolas, tínhamos a melhor assistência médica, explicador de inglês, aulas de karaté.

                                   

O que é que fez o seu pai singrar e ascender socialmente?

Foi a vontade de estudar. Na altura, mesmo só com a 4ª classe, conseguiu fazer um curso para guindastes, um curso técnico para operar aquelas máquinas, que são sofisticadas e perigosas (carregam toneladas por cima das cabeças das pessoas que passam cá em baixo). Passou no curso e entrou para os quadros da APDL. Foi a vida dela até se reformar.

 

É interessante perceber de onde vem o empreendedorismo, mas também como é que aprende a trabalhar. Quais são as suas referências?

O aprender e o empreendedorismo não tiveram tanto a ver com o meu pai. Embora fosse desenrascado e tivesse conseguido singrar na vida, era totalmente avesso a situações de negócios. O meu pai é do estilo: “Só compro o carro depois de ter o dinheiro para o carro”. Nunca pediria um empréstimo. Nunca quis ter um cartão de crédito. Acho que agora tem um de débito para ir ao multibanco tirar dinheiro. O meu avô materno, não. Morreu quando eu tinha para aí dois anos, mas sei pelas histórias que era um negociante nato. Nunca trabalhou para ninguém na vida. Foi negociante em feiras, vendia rebanhos, terrenos, olivais. Sempre a comprar e a vender.

 

E a sua mãe, tinha essa fibra?

Ainda tem. É empreendedora, está-lhe na veia. No meu caso tem muito a ver com o ter começado a ver o mundo muito cedo, o ter sido exposto a muitas culturas diferentes e ter trabalhado num mix de 90 nacionalidades diferentes. Aos 20 anos, quando fui trabalhar para os barcos, fiz a minha primeira volta ao mundo. Fez-me ver que existem oportunidades em quase tudo o que fazemos no dia-a-dia. As pessoas só não as agarram porque não querem.

 

Apesar dessa exposição às possibilidades do mundo, a sua natureza não é a do seu pai. Querer ir para Londres, repetidamente, e ousar ficar lá aos 16 anos, é revelador disso. De onde é que vem essa vontade de vencer? Ou é vontade de descobrir?

É o conjunto. Mas estava convencido de que também vencia se ficasse cá em Portugal. Em termos genéticos, tem a ver com os meus tios e o meu avô materno. Naquela onda de emigração dos anos 50, foram para a Alemanha, França. A minha mãe foi a única que não emigrou – só para o Porto, aos cinco anos. Nasceu em Tabuaço, no Douro. Do lado do meu pai, todos os meus tios ficaram por cá, comedidos, quase todos funcionários públicos (sem desprimor para os mesmos).

 

Estava a falar do seu interesse pelos barcos.

[Também importa] viver em Leça da Palmeira, ao lado do Porto de Leixões, na Rua Direita. De manhã cheirava a nevoeiro e ouvia-se o farol, era nostálgico. Todos os anos vinha o Barco do Livro, que é uma biblioteca que anda à volta do mundo com miúdos estrangeiros; compram e vendem livros. Ia lá sempre com o meu pai. O meu sonho era dar a volta ao mundo naquele barco, com aqueles miúdos, quando tivesse 18 anos.

 

O seu pai disse-lhe: “Se vais, não voltas”. Nunca teve medo?

Não tive medo nenhum. Não digo que seja destemido, mas o medo tem a ver com o desconhecido e estava convencido do que ia acontecer. Ia chegar a Londres e em dois ou três dias arranjava trabalho. Fui para Londres com 50 libras e um bilhete de volta. Era a minha possibilidade de falhanço. Fiquei com os meus amigos do campo de férias do ano anterior uma noite. No dia seguinte fui a uma entrevista num restaurante e comecei logo trabalhar.

 

A lavar pratos?

Nunca tive o azar de ter que trabalhar numa cozinha ou lavar pratos (não que me importasse). Já falava muito bem inglês, fui logo de smoking e lacinho para aprendiz de chefe de sala. Era um restaurante italiano. Tive três meses para aprender o italiano, só falavam em italiano. Não percebia nada daqueles pratos, mas aprendi rápido, tinha a memória fresca.

 

Imagino que ainda hoje não consiga comer pasta sem ser al dente.

Tem de ser bem feita, e cozinho, gosto. Aprendi a cozinhar muito bem.

 

Sabia mesmo o que o esperava?

Imaginava. Agora, quando faço alguma retrospectiva, penso que era um bocado inconsciente. Mas sentia-me confiante, seguro.

 

Se corresse mal, tinha o bilhete de regresso, e sabia que tinha uma rede em casa, do lado da sua mãe.

Acredite que nunca pensei nisso. Quando fui, sabia que já não voltava. O plano A era: vou, arranjo trabalho numa semana e tudo bem. Plano B: vou e lavo carros ou arranjo trabalho só passado duas semanas. Vai custar mais, mas vou arranjar.

 

Onde é que queria chegar?

Ganhar bastante dinheiro, juntar, comprar o meu primeiro apartamento. E mais tarde ou mais cedo ver o mundo. Aos 18 anos comprei o meu primeiro apartamento, em Matosinhos. O meu pai ficou de boca aberta. Com 18 anos ganhava cinco vezes o que ele ganhava, e ele já ganhava muito dinheiro.

 

Com 18 anos, era gerente de um restaurante em Londres.

Em Chelsea, no final da Kings Road. O segredo foi nunca ter optado pelo formato do trabalhador com ordenado fixo. Ganhava 2500 libras por mês, com percentagem sobre as vendas do restaurante e sobre as gorjetas (havia uma taxa de serviço institucionalizada, de 12,5 por cento). Quanto mais alegre e bem disposto andasse, e mais clientes tivesse, e mais horas estivesse aberto o restaurante, mais facturava. O dono do Horse’s Mouth, o Nino, era um siciliano de Taormina, muito culto, casado com uma jornalista do “Sunday Times”; aprendi muito com ele. Estava tão satisfeito com o meu trabalho que começou a aparecer de três em três dias, de quatro em quatro, uma vez por semana, e depois já nem aparecia, telefonava.

 

Quanto tempo esteve lá?

Dois anos. Sempre com o espírito de empreender, mesmo que a trabalhar para outros. Tratava aquilo como se fosse meu. De tal maneira que quando estava a fazer 20 anos, e tive o desafio de ir trabalhar para os barcos, disse ao Nino Martinez: “Vou-me embora. Não vou para outro lado, vou cumprir o meu sonho e dar a volta ao mundo”. O homem ficou chocado a olhar para mim, com o seu charuto; tinha um braço largo, uma mão grande, jogava imenso ténis (eu trabalhava e ele jogava ténis). “Já ando há semanas para te dizer isto, mas agora é a altura ideal: queria que ficasses com 50 por cento da sociedade, oferecido, continuas a fazer o que fazes e metade disto é teu”. Eu já tinha bilhete. Em quatro semanas, o restaurante foi vendido a um grupo italiano e passou a chamar-se “Cavalino Bianco”.

 

Durante esses anos veio a Portugal?

Vinha pouco, mas vinha. (Durante um ano o meu pai quase não me falava.) Nunca tive muitas férias, vinha com intenção de estar cá um mês e ao fim de 15 dias já me estavam a chamar. Não é que fosse imprescindível, mas parecia que era.

 

Quando lhe perguntei onde é que queria chegar não falou em cumprir o sonho do seu pai e ascender socialmente pela via do estudo.

No dia-a-dia não projectava os sonhos assim, vivia naturalmente. Como ainda vivo hoje. Ainda sou muito parecido àquele dos 16 anos. Hoje vou a Londres ter com os meus amigos com quem trabalhava, e as pessoas estão a fazer a mesma coisa, nos mesmos sítios.

 

Pergunta-se porque é que não ficou no lugar deles?

Não. Sabia, quando entrava, que aquilo era passageiro. Passo a passo, step by step, sabia que estava a subir uma escada. Mas não olhava para o fim da escada, ainda hoje não olho. Olho para o passo seguinte. Entretanto procuro que esses passos não me cansem, que sejam naturais e que me divirtam. 

 

Fale-me da primeira viagem à volta do mundo, a concretização do seu sonho.

Foram as minhas primeiras 36.500 milhas náuticas. Saí de Londres para o meu primeiro porto de embarque, Reiquiavique, na Islândia. Fui um dia antes, à espera que chegasse o navio. Pico do verão, sol da meia-noite, não preguei o olho. Estava tudo numa grande azáfama, a carregar e a descarregar coisas, homens a entrar e a sair. Fui ter com um tipo que era o manager de todo o staff de bordo, 460 ou 480 tripulantes. O José Farto, da Galiza, foi o meu primeiro interlocutor. Hoje trabalha para mim, ele, a mulher e o filho. Ele já trabalhava há 20 anos nos barcos, mas quando saí, trouxe-o para trabalhar na minha organização. É da minha confiança. Disse: “Nós aqui, normalmente, não queremos portugueses, deves ser especial”. Eu era o único. A empresa não aceitava portugueses porque eram muito conflituosos, mas como ia com residência inglesa, era como se fosse inglês.

 

Como é que foi?

Nos primeiros seis meses foi muito duro. As primeiras 48 horas foram as piores. São sempre. Nunca penso em desistir de nada, a única vez em que pensei desistir foi naquela viagem. Ao fim do primeiro dia, estava há 24 horas sem conseguir comer, enjoado de tal maneira que não havia nenhuma medicamento que colasse e fizesse efeito. Estava verde, já não sentia o estômago, o fígado todo estoirado, a água entrava e saía. E ao mesmo tempo tinha que trabalhar, o barco estava cheio e tinha a minha posição, os meus objectivos para cumprir. Apanhámos uma tempestade do Mar do Norte, ondas de 12 metros a bater no barco, “Isto ainda não é nada”. Era a praxe, como era maçarico gozavam comigo.

 

Aquilo que abalou a sua vontade foram as condições físicas, não as psicológicas. Há uma enorme diferença nisso.

Foi o enjoo. Pensei: “Quando isto parar, vou pôr-me daqui para fora”. Medo, nunca tive. Naquele mar, não se vive um minuto se se cair à água. Quando cheguei a terra, a Hammerfest, depois de fazer a travessia da Finlândia para o cabo norte da Noruega, fui dar um passeio e pensar que me ia embora. Falei com o Farto, que me confirmou que tinha sido uma grande tempestade. “Vou dar mais dois dias a isto”. Nunca mais enjoei. Fomos para o Pólo Norte. O mar tranquilo, passou do pesadelo para o sonho. Foi um cruzeiro de sonho, os fiordes noruegueses, as coisas mais magníficas que já vi na vida.

 

Se tivesse regressado a Londres, hoje seria um grande proprietário de restaurantes ou hotéis ingleses.

Não tenho a mínima dúvida.

 

O caminho seria outro, mas venceria à mesma.

Provavelmente estávamos aqui hoje a ter a mesma conversa.

 

Essa convicção inabalável é o mais importante?

É. Mas também é isso que torna difíceis algumas perguntas que às vezes me fazem sobre se o empreendedorismo nasce com a pessoa ou se se cria. Sei que não me está a fazer essa pergunta, mas tenho pensado sobre isso. Não se podem fazer empreendedores a martelo. Há uma parte que tem de nascer com a pessoa, que pode ou não ser bem explorada, treinada.

 

Quem é que era por essa altura o seu role model?

Em Londres, era o Nino Martinez.

 

Já foi a Taormina?

Já, mais do que uma vez. Lindíssimo. Ele dizia-me: “Uma das coisas mais magníficas que há é conseguir, no mesmo dia, esquiar, descer a montanha, tirar o fato de esqui, já ter os calções por baixo e dar um mergulho nas águas cristalinas da Sardenha ou da Sicília”. Para além de empreendedor, gostava de viver a vida. Era o meu icon. Também tenho noção de que lhe dei um desgosto, mas é a vida.

 

Como é que fez o seu primeiro milhão?

Foi com o segundo barco. O primeiro foi em homenagem ao barco onde trabalhei durante cinco anos, o “Vistafjord”: chamei-lhe “Vista Douro”. Mas onde dei um salto mais rápido foi no segundo, porque o comprei muito barato e o paguei logo no primeiro ano. Foi o “Princesa do Douro”.

 

Antes disso, o seu primeiro negócio foi um restaurante.

O “Avó Miquinhas”. Tive de tomar a decisão de deixar os barcos, depois de andar a dar voltas ao mundo.

 

Já lá vamos. O que é que fazia nos barcos?

Estava no night club, o Viking.

 

Era como no Barco do Amor?, era essa a sua referência?

Era pior, para melhor! Tudo aquilo que imagina e que viu no Barco do Amor, tem de multiplicar por três. O sonho, a fantasia, a vida cor-de-rosa. Quem já estava com um estatuto de sénior sabia como é que o barco funcionava, como é que era o perfil de quem ia, o que queria.

 

Quais é que eram os grandes perfis? Viúvas, casais em Lua-de-mel?

Lidávamos sempre com o mesmo estilo de clientela. Casais a tentarem refazer o casamento, que normalmente acabava desfeito. Avós com netas, muitas. Mais mulheres do que homens, fossem viúvas, fossem divorciadas (para esquecer o divórcio). Conjuntos de amigas que faziam a viagem porque os homens trabalhavam muito.

 

E tinha um amor em cada porto, como na canção?

Houve uma fase em que não tinha em todos os portos, mas tinha em alguns.

 

Ainda não falámos dessa parte.

Essa parte agora é um bocado censurada. Se falássemos quando saí dos barcos e não tivesse casado, se não tivesse o quarto filho a caminho, falava mais à vontade.

 

Todo o seu discurso é focado no trabalho, mas basta olhar para si para perceber…

Que não é só trabalho, exactamente. Havia outra vida para além do trabalho, como os meus hobbies: o mergulho, o jet sky, nadar (sempre fui muito atlético). Comia que nem um desalmado. Nunca bebi muitas bebidas alcoólicas mas gostava muito de comer.

 

Drogas?

Não, nada. Sempre tive muita sorte com as amizades – é uma das preocupações que tenho com os meus filhos. Ou tive sorte ou soube escolhê-las. Não quer dizer que não tivesse visto passar ao lado, mas foi coisa que nunca me atraiu.

 

Podia tê-lo desconcentrado daquilo que era o seu caminho. É interessante perceber porque é que nunca foi por aí.

Tem muito a ver com o auto-controlo, com o domínio da mente e com a auto-confiança, que aprendi desde os oito anos quando a minha mãe me colocou no Karaté. Foi uma disciplina que me ajudou a não ter medo de enfrentar o mundo e as situações, até em termos físicos. Se tivesse que me defender, sabia como.

 

Tinha havido na sua história alguém com uma vida dissoluta, alguém que desse um exemplo que queria evitar?

Em termos de álcool talvez, drogas não.

 

O alcoolismo é outra associação clássica aos marinheiros.

No nosso caso era um grupo muito são. Trabalhar num barco daqueles era uma coisa de elite. (Era como as meninas da Tap: havia pessoas que preferiam ser hospedeiras da Tap a médicas. Iam ver mundo, com aqueles vestidinhos, escolhidas a dedo – era um mito. Agora não são mais do que empregadas de mesa, ao fim e ao cabo). Ganhava-se muito dinheiro, via-se o mundo, comia-se e bebia-se do melhor, nunca se apanhava um Inverno, não pagava impostos, era tax free: era uma vida não-real.

 

Como assim?

Havia pessoas que se amarravam a essa vida e ficavam lá para sempre. Tinham uma namorada diferente todos os dias, até podiam ter uma de manhã, uma à tarde e uma à noite, porque não faltavam. Podiam comer caviar, lagostas e tinham praias paradisíacas praticamente todos os dias. Se queríamos um fato, um smoking ou uma camisa feita por medida, já sabíamos os sítios onde faziam aquilo em 24 horas, na Índia, China, Hong Kong, com os melhores tecidos, por uma ninharia.

 

Foi nessa altura que começou a usar fatos por medida?

Não, por acaso tinha dois anos. O meu pai mandou fazer um fato fantástico com um lacinho e fez uma fotografia toda gira que tenho lá guardada. Lembro-me perfeitamente de ir ao alfaiate com o meu pai, ao fundo da rua; era o alfaiate manco. Tinha o tecido, tirava as medidas, marcava com o giz e depois íamos fazer as provas. Para a primeira comunhão, para a comunhão solene. Por isso, o meu primeiro fato por medida não foi feito em Hong Kong, foi ao fundo da Rua Direita, no manco!

 

A sua vida de sonho era como viver umas férias permanentes, durante cinco anos.

Era. Todos os dias ia dar o meu mergulho, na praia que queria, tinha amigos de Singapura à Austrália. A determinada altura trabalhei 14 meses sem parar, sete sobre sete dias, sem nunca ter tido um dia de folga.

 

Isso era para ganhar dinheiro?

Não, era porque gostava do que fazia. Eles precisavam e pediam.

 

Tinha 20 e pouco anos.

Exactamente, aguentava bem a coisa.

 

Não tinha uma vida familiar e outras obrigações.

E gostava daquilo.

 

Quando é que se começou a enfastiar?

Nunca me enfastiei. O que aconteceu foi um choque ocasional e eu sou determinado. Para bem ou para mal, tomei a decisão. Não gosto de áreas cinzentas, ou é branco ou é preto, tumba. Não tinha pensado uma hora antes naquilo, pensei naquele momento e decidi: “Tenho que sair daqui”.

 

O que é que determinou o corte, esse momento de definição?

Estávamos em Cape Town num restaurante onde costumávamos ir, o “Sagres”, em cima da marina (acho que ainda existe, é de um português). Íamos lá beber um Mateus Rosé e comer umas lagostinhas fantásticas, fresquinhas, era a nossa receita em Cape Town. À saída vínhamos a pé, a digerir o jantar. Tinha aberto um stand da Ferrari e estava deslumbrado com os carros que estavam lá expostos, cinco ou seis, numa vitrina toda iluminada. Disse ao Farto: “Um dia que tenha o meu negócio, que tenha capacidade financeira, hei-de ter um carro destes”. Estava um senhor ao nosso lado, que era chefe de mesa, trabalhava há 30 e tal anos naquilo, que diz assim: “Estás a ver, ó Mário, tinha dinheiro para comprar todos estes carros e não quero comprar nenhum! Aliás, nem carta tenho”. Aquilo fez-me um bocado de impressão.

 

Porquê?

O homem era das Canárias, já não ia ver a família porque já tinham morrido os pais, nunca tinha casado porque estava sempre a viajar, habituou-se àquilo e depois não se sentia bem sempre com a mesma pessoa. Não tinha filhos. Estava a ver que o futuro dele e os amigos que tinha era aquele nosso grupo. Disse para mim: “Não me quero ver assim”. Fez-me impressão sentir que o homem tinha o dinheiro todo que queria, que não tinha onde o gastar, não tinha vícios…

 

O que é que ele não tinha e você queria ter?

Não tinha família, não tinha futuro. Não tinha uma linha de horizonte que lhe desse alegria, felicidade, que o desafiasse. Aquilo era a vida dele. Era pouco. Estava numa fase de transição, podia renovar mais um ano; pensei: “Vou fazer 25 anos, está na altura”. Saí, nunca mais voltei. Depois só voltei como cliente.

 

Quando é que comprou o seu primeiro Ferrari?

O meu primeiro Ferrari não foi comprado. [risos] Também me tinha chateado com a namorada da altura, com quem estava há bastante tempo (já estava atinadinho). Era uma austríaca muito simpática que trabalhava no barco. “Porreiro, já não tenho aqui laços, posso pôr-me a andar para Portugal”. Íamos de Cape Town para o Rio de Janeiro, que era a maior travessia de mar, sete dias de mar. Depois subíamos a costa brasileira, Baía, íamos à Ilha do Inferno, Barbados, Caraíbas, Miami, e Fort Lauderdale. Por coincidência nessa viagem conheci aquela que viria a ser a minha primeira mulher. Conquistou-me com uma sanduíche [risos].

 

Uma sanduíche?

Trabalhava nesse clube, e à noite havia um concerto na piscina, um duo italiano a tocar para nós. Tinha umas varandinhas e não se podia reservar lugares, mas como havia esse concerto… à moda portuguesa, arranjei uma maneira. Dizia aos clientes alemães e americanos: “Se me comprar já aqui duas garrafas de Don Perignon, e mandar pôr aqui seis ou sete copos, ponho os frappé com as garrafas. Como já encomendaram, na verdade não estou a reservar nada, e o consumo está feito”. Vendia logo duas garrafas de Don Perignon. Eu tinha 10 por cento de todas as vendas. E tinha os empregados que me vinham ajudar (eles trabalhavam e eu é que ficava com a percentagem toda). E ainda me davam uns envelopes com umas gorjetas fabulosas com umas centenas de dólares lá dentro. Bati o recorde de vendas de Don Perignon, foi meu durante anos.

 

Como é que aparece a sanduíche?, que é um modo de perguntar como é que conhece a sua mulher?

Como tinha de ficar ali, não fosse alguém roubar alguma garrafa, não fui jantar. Começava às sete horas e era até fechar. E apareceu uma menina americana com uma sanduíche: tinha-a encomendado para o seu room service, e veio trazer-ma para não ficar sem jantar. Ao fim de um ano, casámos.

 

Ela era rica.

Era. Na altura, nem ela sabia o quanto era rica. Quando a malta pergunta se casei por dinheiro, podia ter casado, mas se casei foi ao engano. O pai tinha morrido há um ano e ela não tinha noção da fortuna que ele tinha construído. Tinha ido na viagem com a mãe e os avós porque estavam a ultrapassar o luto.

 

Ao preparar a entrevista, falei com algumas pessoas e todas mencionaram o facto de ter casado com uma mulher rica. Perguntei-me se isto era para si um estigma: o de ser um homem que faz um casamento por dinheiro.

Não. O que aconteceu foi que em Portugal, no início dos anos 90, ser americano era sinónimo de se ser gente com muito dinheiro. Continuávamos a fazer a nossa vida normal, a trabalhar 12 horas por dia, a ir ao mercado, à Makro, a orientar o restaurante. Não é bem a vida de um milionário. Nos entretantos, ia dando alguns conselhos. Não era um tipo da alta finança, mas tinha consciência de coisas que uma dona de casa, como a minha ex-sogra, não tinha. Ela vê-se com um império à frente porque o marido tinha morrido sem querer morrer, numa operação de coração aberto, (ele julgava que ia ali e vinha já, e acabou por morrer devido a um erro médico, sem deixar nada preparado em termos de continuidade). O conselho que lhe dei foi o de pedir uma auditoria, que ela não sabia o que era. Viu-se logo que os administradores se estavam a abarbatar, um com um milhão de dólares, outro com 600 e não sei quê.

 

Como é que viu isso?

A minha ex-sogra, uma pessoa humilde e simples, foi ao supermercado e viu a mulher de um administrador com um bruto Mercedes 500, novo em folha, branquinho, “ai que carro bonito”. Começou a interrogar-se como é que a mulher de um administrador tinha um carro melhor que o dela. Depois da auditoria, despediram os tipos todos, foi uma limpeza. Eles tinham uma rede de lares de luxo para a terceira idade, a maior de todo o estado do Louisiana, 40 e tal unidades, uma coisa brutal. Milhões e milhões de contos de facturação.

 

Qual foi o seu conselho?

Que soubessem quem era o número dois e que fizessem uma proposta de venda. Foi o que aconteceu. Realizou umas centenas de milhões, em cash, que aplicou bem. Dei-lhe esse advice de graça. O estigma de que fala, nunca tive. Estamos a falar de uma pessoa multimilionária, à séria, a nível americano – em Portugal multiplique isso por uma quantidade maior.

 

Já não tinha de ir fazer compras à Makro.

Ia na mesma, aí é que está a diferença. Tenho algum mérito na materialização daquela fortuna. Sem alguns dos meus conselhos podiam ter feito a cama à senhora – como já estavam a fazer –, tinham drenado a empresa. Ela vendeu-a no tempo certo. Tinha um jacto particular, enorme, um Challenger, que voava directamente dos Estados Unidos ao Porto. Eu chegava ao Porto de avião particular três ou quatro vezes por ano, levava três ou quatro amigos mais chegados a fazer um cruzeiro no mediterrâneo, íamos de avião particular, (que era maior do que o do presidente da República), a Roma, a Atenas.

 

Luxos.

Comprámos uma casa simpática no Cabo do Mundo [a seguir a Leça da Palmeira], que era o que podia comprar com o nosso dinheiro, do trabalho. Mas a minha ex embicou que queria vir para o Porto. Apareceu uma casa na Avenida Montevideu, em frente ao mar. Um miúdo e uma miúda com 20 e tal anos, aquilo criou grande impacto, “chegaram aqui os novos-ricos” e não sei o quê. A casa foi oferecida pela minha ex-sogra e pronto. Quando fiz 26 ou 27 anos, a minha prenda de aniversário foi o meu primeiro Ferrari. Depois comprei o segundo e os outros.

 

Confesse, o que gostou verdadeiramente foi de o comprar…

Eu tinha aquele dinheiro, eram uns 30 mil contos, e decidi comprar para o Natal o Ferrari. Eram as conversas que tínhamos em casa e a minha mulher sabia que tinha aquele sonho. Ela fez-me aquela surpresa. Ofereceu-me o carro, mas quem passou o cheque fui eu, aquele dinheiro era nosso.

 

Sentia-se ofendido com o facto de as pessoas dizerem que tinha casado com uma mulher rica porque isso diminuía o seu talento para o negócio, o seu empreendedorismo?

Não. As pessoas que diziam isso é que não se tocavam. Diziam-me alguns, a maior parte jornalistas que tinham um bocado a mania: “Isto para si foi um bocado mais fácil, porque casou com uma mulher rica”. “Olhe, trabalho o mesmo, e no dia em que quiser tenho um ordenado milionário para tomar conta de negócios nos Estados Unidos, um avião particular e uma casa à minha espera melhor que esta”. E nunca quis. Isso é que era tomar partido de casar com uma milionária. Dos três filhos dessa senhora, a única que preserva a fortuna e a aumentou é a minha ex. Com o divórcio levou 12 milhões de volta para os Estados Unidos e nunca tocou num tostão da sua herança. Os outros dois já espatifaram metade. Os netos mais ricos da família são os meus filhos. Sem contar com a minha parte. Isso é que me dá gozo.

 

Quando é que se divorciou?

Em 2004. Quando foi do meu divórcio, chegou-se à vergonha de jornalistas ligarem, estava eu em Londres, a dizer: “Consta aqui que a empresa está falida, acabou-se a sua fonte de financiamento”. “Eh pá, estão todos enganados, a minha fonte de financiamento sempre foi o BES e o BCP, e continua a ser”. Divorciei-me e o BES ainda me financiou mais para pagar o meu divórcio e manter tudo aquilo que tinha. Comprei a parte da casa, onde ainda vivo e fiquei com os mesmos negócios. A única coisa que tive de perder para conseguir dar esse salto foi o Solar de Rede.

 

Durante esses anos havia uma retaguarda diferente que lhe permitia sonhar e ousar com mais segurança.

Não usava isso como pensamento, lembre-se do step by step.

 

Nunca foi megalómano?

Não, dei sempre passos dentro daquilo que podia fazer. Numa situação de aperto de tesouraria, em que o negócio estivesse a correr pior, podia pedir, mas utilizámos sempre os bancos. E foi a minha independência. Se não fosse isso teria tido muita dificuldade em seguir caminho depois do divórcio. Fui muito feliz enquanto durou o casamento, mas quando achei que devia seguir o meu caminho também foi: “É agora, é agora, acabou”. (Branco ou preto, não há cá áreas cinzentas.)

 

É um sabor completamente diferente saber que fez o seu primeiro milhão à sua custa, em função do seu talento e da sua capacidade de trabalho, ou esse primeiro milhão vir lateralmente.

Podia ter tido dois ou três milhões antes desse, podia.

 

O seu primeiro milhão foi o seu primeiro milhão, e não um milhão feito com a ajuda da sua mulher.

Exactamente, foi a trabalhar. Seria sempre importante ter alguém que apoiasse, que ajudasse a manter os sonhos, como tenho actualmente com a minha mulher. A minha mulher é juiz, trabalha quase tantas horas como eu. Se ela me tivesse dito para não me meter nisto da internacionalização e de ir para a Amazónia, não tinha ido. “Estás preparada? Se continuar aqui no Douro é para me reformar, isto já está a entrar num patamar em que ganho dinheiro suficiente para não ter que fazer mais nada na vida. É uma boa reforma, mas já não há estímulo. Ou então avanço para um projecto novo e que vai exigir muito mais”.

 

O importante é a adrenalina?

Não é só a adrenalina. É fazer, construir.

 

É casado com separação de bens?

É uma pergunta engraçada. O que é que isso tem a ver para o assunto?

 

É um homem rico. Imagino que se tenha perguntado se queriam casar consigo por ser um homem rico.

Não tive essa dúvida. Sou casado com separação de bens por ter filhos de um lado e do outro, e para que não haja esse tipo de interrogações. Até foi a minha mulher actual que preferiu assim. Não quer dizer que ela não seja rica, esqueceu-se desse detalhe; e por acaso, não é desprovida de bens.

 

Não estou a levantar qualquer dúvida ou suspeita, mas acho normal que estas coisas lhe ocorram.

Respondo-lhe para não dizer que estou a fugir à pergunta, mas não foi coisa em que perdêssemos tempo a pensar, sinceramente.

 

O Ferrari é o brinquedo. Mas também há um momento em que passa a comprar os que foram os seus brinquedos do passado: os barcos, o seu sonho.

Os barcos não eram um brinquedo. Cheguei a um ponto em que percebi que o meu know how estava na área dos barcos, do serviço ao cliente e do conhecimento do mercado estrangeiro. Quando voltei para Portugal apercebi-me de que, em termos de estratégia, aquilo que um turista de nível médio/alto precisava não estava identificado. O turismo do Algarve era uma vergonha, os hotéis de cinco estrelas não o eram verdadeiramente, eram uma treta. O serviço não era orientado para um cliente exigente. Achei que podia marcar a diferença. Decidi montar um negócio e um barco, numa situação de investimento sério, de forma a prestar um serviço que em Portugal ninguém dava.

 

Há uma certa excentricidade na sua atitude e em algumas propostas que oferece ao cliente. Como querer ir ao espaço. Há em si o desejo de ser o Richard Branson português?

Tenho a sorte de privar com ele. Conheci-o em 2004 por ter sido o primeiro português a inscrever-se para ir ao espaço, e por ter a concessão e a exclusividade da Virgin Galactic em Portugal. Ele achou piada ao meu historial, ao facto de ter origens como as dele, ser um self made man, ter começado do nada. Ele aprecia isso nas pessoas, e a honestidade, a franqueza, a lealdade. Não gosta muito daquela malta emproada que chega cheia de “sirs”. Passei uma semana na ilha dele, Necker Island, e as regras são muito básicas: tomamos o pequeno-almoço juntos numa mesa, almoçamos juntos numa praia, e à noite jantámos todos juntos numa mesa grande, mais formal, mas onde não há lugares marcados (cada um senta-se onde quer e sobre bancos corridos).

 

Branson é um modelo?

O que faço é aquilo que gosto de fazer, não tento copiar ninguém. Fazem esse tipo de comparações por falar nele e por estar na corrida da Missão Possível. Ele vai fazer 60 anos e é um desafio fazer a sua primeira maratona, agora dia 25 de Abril, em Londres. Aceitei o desafio de fazer a minha primeira maratona porque me convidou. Não estou a copiar, fui convidado.

 

Por isso é que perdeu 20 quilos, por causa do treino? Quanto tempo levou?

Uns sete meses. A Missão Possível eram três missões impossíveis: a primeira, perder os 20 quilos para poder começar a correr; a outra é conseguir aguentar os 42 quilómetros; e a outra, para dificultar mais a fórmula, é o objectivo para a equipa da Virgin. (Mission Possible, com música da Impossible, é um trocadilho!) Se for ao You Tube, vê-nos lá a todos. A Mission Possible tem de angariar dois milhões de libras para um fundo de caridade. O meu share são 20 mil libras, e está quase. Temos uma equipa da Virgin com um grupo especial que, vai ter uma partida toda VIP, cheia de actores de Hollywood, cantores conhecidos, princesas.

 

Acha que é um homem interessante?

Essa é complicada. Posso ser um homem interessante em termos de história de vida, riqueza de vida, e por ter visto muito mundo.

 

Se está sentado num banco corrido, acha que tem um discurso sedutor para a pessoa que está ao lado?

Inicialmente gosto de ouvir as histórias dos outros. Aqui estou a disparatar e a debitar porque tenho de encher o gravador e tenho de lhe responder às perguntas.

 

É desagradável?

Não, estou a gostar imenso. Há dez minutos que quero ir à casa de banho e não consigo parar porque estou a gostar da conversa. Já vou na segunda garrafa de água [risos]. Gosto muito de aprender com os outros. Os yuppies, aqueles miúdos que formaram o Silicon Valley, e que agora têm 60 e tal anos, três deles fazem parte deste grupo; gosto de os ouvir.

 

Porque é que foi agora estudar gestão de empresas?

Na verdade, nunca parei de estudar.

 

Disse que não gosta de pessoas emproadas, nunca procurou a confirmação social e o título. Não é isso, portanto? Imagino os seus colegas e professores da Lusófona, ao verem chegar o “Super Mário” às aulas… Deve ter a sua graça.

Tem. Fiz um curso de Auditores de Defesa Nacional, de que gostei imenso. Depois fiz um curso de um ano na universidade de Navarra, em Barcelona, um curso de Advance Management. Muito, muito sofisticado em termos económicos, técnicas de negociação, macroeconomia – todo em inglês. A maioria dos professores está na IESE e em Harvard. O meu mentor, o meu conselheiro em termos de estratégia económica, o Alves Monteiro, (e o professor Alberto Castro) tanto me chateou que lá fui. Comecei a ter noção de que este tipo de formação é um complemento. É quase como meter um compósito dentro da gasolina Super.

 

Imagem curiosa.

O motor já andava bem, metendo aqueles aditivos ali dentro, o motor podia andar muito mais e com menos esforço. Só me faz bem. Veio outro desafio da directora deste curso de Gestão e Gestão de Empresas Turísticas que estava a ser montado na Lusófona, a Prof. Dra. Elisabete Serra. Gostava de me ter lá. Houve coisas bastante difíceis no primeiro ano – Estatística, tive de estudar imenso. Outras, não estou lá a aprender nada, até podia ensinar umas coisas. Sem dar nas vistas e sem interferir demais, nos trabalhos que faço tento ajudar, e servir de inspiração para as pessoas que lá estão. Posso dar o meu contributo de vida.

 

Frequentar o curso, e sair de lá com o canudo, é uma maneira de, por fim, cumprir o sonho do seu pai de ter um filho doutor?

Não. Para o meu pai, já ultrapassei aquilo que seria o sonho dele. O primeiro impacto que teve de que ia ultrapassar aquilo que sonhou para mim foi logo aos 18 anos, quando lhe mandei o cheque para ser ele a escolher o meu apartamento. A partir daí, pum, já estava para além daquilo que ele imaginava. Com 20 e tal anos já tinha o título de comendador, depois recebi mais duas comendas. Recebi a medalha de prata por conhecimentos turísticos da cidade do Porto.

 

Mas havia essa coisa do doutor.

Olhe que não.

 

Vai ver que ele fica contente quando acabar o curso.

Não tem a ver com isso, tem a ver com o aditivo na gasolina. Acho que consigo chegar mais longe se refinar alguns dos métodos de gestão que tenho e domino. Actualizar-me é enriquecedor e ajuda-me a pensar em novas maneiras de ganhar dinheiro no futuro. Tem a ver com o enriquecimento pessoal, sem ter que demonstrar nada a ninguém. Desde muito novo, nunca tive complexos, por isso é que isto é tudo coerente.

 

Nunca teve complexos em relação a nada?

Nunca. Nunca tive complexos por ter casado com uma mulher multimilionária e de ir trabalhar de calças de ganga. Não me privo de fazer isto ou aquilo pelo facto de as pessoas acharem que agora estamos em crise e não devo ir de Bentley para o escritório. Se estamos em crise, façam por não estar, também faço por isso e não estou em crise. 2008 e 2009 foram os melhores anos da minha vida em termos empresariais. Faço pela vida.

 

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2010