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Anabela Mota Ribeiro

O Movimento Parado do Jardim das Amoreiras

25.01.24

O Jardim das Amoreiras é um espaço de encantamento. Podemos seguir as raízes das árvores, mergulhar nas copas frondosas, encontrar Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, mergulhar no imaginário da nossa infância com o pedo-psicanalista João dos Santos, sentir a imponência do aqueduto, fechar os olhos e sonhar, praticar os verbos ver e brotar.

Numa praça cabem muitos mundos. E neste passeio que vos proponho, e que é mais que sonoro, convoco Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, Ruy Belo, António Pinho Vargas, Stevie Wonder, um harmónio interpretado por Vieira, que hesitou entre a pintura e a música, tantos movimentos e associações, ruínas, espaços vazios e de desamparo, a estação da aridez, a estação do florescimento. Parados, podemos chegar a muitos lugares. Até ao mais dentro de nós.

Escrevi e dei voz a um passeio sonoro para o Open House Lisboa 2023, organizado pela Trienal de Arquitectura. Obrigada pelo desafio. A versão áudio está no meu perfil do Spotify. Aqui fica o texto. 

 

Fecho os olhos. Inspiro o ar morno da Primavera.

Pode ser que este Jardim das Amoreiras seja o Jardim do Passeio Alegre do Porto, virado para a Foz do Douro, morada do Eugénio de Andrade. A associação aparece no instante em que escrevo. Primeiro surgiu o verso de Fernando Pessoa “O movimento parado das árvores”. As árvores de copa já frondosa, um tronco firme, sólido, as raízes invisíveis e potentes. Depois, um som longínquo, soterrado há muito, muito tempo: o piano de António Pinho Vargas, a sua composição a partir dessa frase enigmática de Pessoa. O movimento parado das árvores é uma pepita do texto “Na Floresta do Alheamento”, do Livro do Desassossego.

A nossa memória é caprichosa. Há quantas primaveras não brotava esta ideia, esta expressão de uma vida que dá voltas ao mundo sem sair do lugar?

Por fim, que foi daí a milésimos de segundo, fui dar a uma outra melodia de Pinho Vargas: Jardim do Passeio Alegre.

Quando eu vivia no Porto, costumava sentar-me ali, vendo, simplesmente vendo. Parada e a imaginar. Mergulhada em mim. Vendo e suficientemente absorta para não ver o movimento da rua, da água doce a encontrar-se com o mar. Ainda que vejamos sempre. Os sedimentos ficam depositados num lugar que não sabemos onde fica, e reaparecem com surpresa muitos invernos depois.

Foram precisos muitos invernos, e o mais longo e o mais triste de todos, o da pandemia, para compreender que precisamos de ter árvores e flores por perto. Ou, como dizia uma amiga, keep blossom. E o nosso blossom é mais fácil se tivermos a Natureza como parceira e como presença. Se atentarmos na sua omni-presença, se observarmos com atenção osmótica os seus ciclos.

Por exemplo, os jacarandás anunciam o Verão. É assim que começa um poema sobre esta árvore de Lisboa. Ou, pelo menos, não tenho memória da sua presença luxuriante no Porto. Eugénio escreveu sobre a alegria dos jacarandás: 

É como nos sonhos mais pueris: 
posso voar quase rente 
às nuvens altas – irmão dos pássaros –, 
perder-me no ar."

Maio é um mês de prodígios. Um manto lilás estende-se sobre a cidade, um cheiro acidulado invade as nossas narinas. Mas a flora neste jardim é outra, dominada pelas amoreiras e pelo verde.

Fecho os olhos. Fechem os olhos comigo. É muito importante fechar os olhos. Para não vermos senão a nossa fantasia. Para reduzirmos o ruído, o estímulo visual, que é tão poderoso. Guardamos para daqui a instantes o verbo contemplar. Agora é tempo de escutar a imaginação.

Pode parecer que digo coisas sem sentido, ou que sucumbo ao feitiço da palavra poética. Ou que demoro a abrir a porta deste percurso. Porém, já cá estamos, já estamos dentro. O movimento já começou. Estamos dentro das árvores, debaixo do chão, diluídos na corrente do Aqueduto das Águas Livres, estamos na matéria que não se toca e nos determina e que se chama infância. Porque este é o lugar do pedo-psicanalista João dos Santos. Estamos na sensorialidade das cores de Maria Helena Vieira da Silva. O seu museu, seu e do marido, Arpad, é ali. A casa-atelier também era ali. Um banco da Olaio, de onde se pode ver o mundo, devagar, escutando o silêncio, está ali.

Numa carta, Vieira diz:

“Fico sentada no meu ninho e olho as cores, as plantas e tenho vontade de pintar, mas não sei como”.

Ela em Lisboa, ele em Paris. A carta tem data de 20 de Outubro de 1938. Guardo-a com especial carinho, porque esse é o dia dos meus anos. Rimbaud também nasceu a 20 de Outubro. Rimbaud, o poeta que foi aos seus infernos e que escreveu:

“Que vida! A autêntica vida está ausente. Não estamos no mundo”.

O que significa estarmos ausentes da nossa vida? Onde estamos, se não estamos no mundo? Seremos todos fantasmas?

Brás Cubas, o personagem de ficção de Machado de Assis, que eu estudo, nasceu nesse dia 20. E Brás Cubas transformou-se em defunto autor quando escreveu as suas memórias depois de morto. Como se fosse possível escrever depois de morto e olhar a vida de fora, nas suas misérias e grandezas.

A desorbitação pega-se. Estou a pôr em linhas seguidas pessoas e personagens, cartas, poemas, literatura. Quero advertir que geografia, cronologia, biografia adquirem uma espessura diferente no plano da escrita, da memória, do som. Por isso é tão importante estar de olhos fechados. Senão esbarramos no concreto, no edificado, e é mais difícil entregarmo-nos aos nossos fantasmas, conhecermos as nossas ruínas. Não por acaso, os sonhos aparecem quando estamos a dormir, sem guarda. E não por acaso, na psicanálise, estamos deitados, na mesma posição rendida do sono.

O que estou a fazer, com a cumplicidade de quem me ouve, é ampliar no tempo e no espaço uma constelação. Continuamos?

Recuo ainda a esse ano anterior ao início da Segunda Guerra, ao que seria a atmosfera da Europa, o medo já palpável. Vieira da Silva escreve da Rua Andrade Corvo a Arpad Szenes. O Outono que vê não é o das árvores do Jardim das Amoreiras. E era talvez um Outono menos adiantado que o Outono de Paris, onde estava Arpad.

Vieira tem vontade de pintar, mas não sabe como. Esta frase é muito importante. Não saber como é muito importante. Não saber é importante, como o informe é importante, o silêncio é importante, a lentidão é importante, o vazio é importante. Nesta sociedade acelerada e competitiva em que vivemos somos penalizados por dizer: não sei. Ou: preciso de tempo para pensar. Se fôssemos mais sábios, aprenderíamos com as plantas que o verbo germinar demora uma estação. Um bebé demora nove meses a formar-se. Quanto tempo demorou Vieira a fazer o seu testamento? Não a escrevê-lo, mas a maturá-lo dentro de si. Um testamento de cores e memórias, muito belo, quase um poema. Diz assim:

Deixo aos meus amigos:

um azul cerúleo para voar bem alto

um azul cobalto para a felicidade

um azul ultramarino para estimular o espírito

um vermelhão para que o sangue circule alegremente

um verde musgo para acalmar os nervos

um amarelo ouro: riqueza

um violeta cobalto para o devaneio

uma garança porque deixa ouvir o violoncelo

um amarelo bário: ficção científica, brilho, esplendor

um ocre amarelo para aceitar a terra

um verde Veronese para a memória da Primavera

um índigo para que o espírito se ajuste à tempestade

um laranja para treinar a vista de um limoeiro ao longe

um amarelo limão para a graça

um branco puro: pureza

terra de Siena natural: a transmutação do ouro

um negro sumptuoso para ver Ticiano

uma terra de sombra natural para aceitar melhor a melodia negra

uma terra de Siena queimada para o sentimento da durabilidade

Maria Helena Vieira da Silva morreu em 1992 e legou aos amigos estas cores e os significados que lhes atribui. Voltem atrás se quiserem escolher a vossa cor ou o vosso significado preferido. Eu acho que me atiro para

um azul cobalto para a felicidade

pela cor. E

um laranja para treinar a vista de um limoeiro ao longe

pelo significado. 

E, mais tarde, experimentem cada uma das cores. Confesso que não sabia o que era garança. E como gosto de garança. É uma espécie de vermelho tijolo que é difícil de encontrar. É uma planta e o corante que resulta da extracção dessa planta.

E escutem a composição de Luís Cília, composta em 1988 e dedicada à sua amiga Maria Helena. E a música de Rodrigo Leão para uma exposição interactiva no museu, agora patente. Pensem na amizade com Lopes Graça. E vejam o filme de José Álvaro de Morais, Ma femme chamada Bicho, de 1976, sobre o casal. Há até uma versão no Youtube. No documentário, Sophia de Mello Breyner diz um poema que escreveu para Maria Helena. E a pintora, que estudou música, e para quem a noção de ritmo era tão importante, toca no harmónio uma composição que já soube de cor. Todavia, passou muito tempo, diz ela, e as notas foram desaparecendo. Parece evidente que música — por exemplo: o Cravo Bem Temperado de Bach —, e a complexa geometria da sua pintura falam a mesma língua.

No fundo, estou a fazer uma psico-geografia, estou a tentar dar som à pedra. A inversa também é verdadeira: estou a transformar a pedra em som.

No fundo, estou de falar de coisas que não têm matéria, como palavras, memória, música. Não quer dizer que não sintamos a força que exercem sobre nós.

Regresso ao banco, ao lugar físico onde estou. É cá fora, no jardim, um banco de madeira. Vou sair deste espaço preciso onde tenho os pés pousados, não vou sair do perímetro desta praça.

Venho cá muitas vezes, sento-me na esplanada, fico a meditar na frase de João dos Santos.

“O segredo do homem é a própria infância.”

É um motor para pensar sobre mim, sobre o meu corpo, que é a minha primeira casa, sobre a minha vida.

João dos Santos revolucionou a saúde mental infantil em Portugal, criou um espaço que ainda vive e que se chama Casa da Praia. O nome é bonito, evoca férias grandes, brincadeiras; mas parece que a razão foi mais prosaica: fica na Travessa da Praia.

O busto de João dos Santos está no jardim, perto do café-esplanada.

Há um poema de José Gomes Ferreira que identifica a temperatura do lugar. Tem por título: “Todos os dias passo pelas Amoreiras”.

“Há lá renda que se assemelhe

a este tecido de árvores no ar...

(Hei-de pedir à Maria Keil

Para as pintar.)

Árvores do jardim do aqueduto

Sem flor nem fruto

Sem nada de seu...

Só este azul de pássaros a cantar

Que vai da terra ao céu.”

Aprendi com o psicanalista Emílio Salgueiro a ver o jardim através dos olhos de João dos Santos, com quem trabalhou. Emílio Salgueiro rememorou, no descerramento do busto, esta ligação. Abram os olhos e sigam com ele:

“O Jardim das Amoreiras era o jardim de Lisboa de que João dos Santos mais gostava. Talvez pelas árvores, de grande porte e muita sombra, mostrando nos troncos, rugosos e longos, o tempo que tinham precisado para crescerem; talvez pelos pardais, pelos pombos e pelos cães, em voos, aterragens e correrias [...]; talvez pelas crianças à solta, procurando serem como os pássaros ou como os cães; talvez pelo sentimento claro de se estar num espaço livre muito especial, que transmite uma ideia forte de amplidão e de liberdade, quer para cima, para o céu e para as nuvens, quer para os lados, discretamente cercados de casas baixas de cores suaves e complementares, com a belíssima Mãe de Água, ao fundo, e com a pequena capela, muito harmoniosa, bem ao meio, encaixada no Aqueduto das Águas-Livres.”

Cada um olha para o que olha, para o que consegue olhar, para o que procura, para o que reconhece. E eu nunca tinha visto a capela até este texto. Impressionante como nunca tinha dado por ela, não é?

Curioso. Vejo pouco o bronze de João dos Santos quando o olho fixamente. Porque sempre me vem a imagem viva do pedo-psicanalista a falar com Maria Emília Brederode Santos e Cecília Menano. O vídeo encontra-se no site da Casa da Praia. Falam de Educação pela Arte. A pedagoga Maria Emília Brederode interpela João dos Santos:

“Os pais comentam: os meus filhos agora não aprendem nada. Passam a vida a desenhar. É uma brincadeira, não fazem nada. [...] O doutor João dos Santos escreveu algures: ‘ensinar a escrever antes de permitir que a criança experimente desenhar e pintar é tão absurdo como ensinar a ler antes de se se saber falar.’”.

É um homem que tem uma energia solar, é vital como as árvores, sem ser hirto como as árvores. É sólido, é profundo, é a pessoa séria que sabe que é fundamental brincar.

Penso que vou visitá-lo, quando me sento na esplanada, porque desperta em mim o espanto das crianças, promove o reencontro com a minha infância, religa-me ao mais originário da minha vida.

João dos Santos encarna o verso de Fernando Pessoa que rege este itinerário: o movimento parado das árvores. Estou parada, a fitá-lo, e num movimento acelerado no tempo. Acelerado ou mesmo supersónico. Gostaria de ser Alice que desliza por uma toca de coelhos, de ser Dorothy que sonha com o outro lado do arco-íris. Vou à minha cápsula meninice. Vou à minha cápsula pandemia, aos invernos recentes. Vou a casa. A casa-corpo. A casa-casa. A casa-cidade. A casa-planeta.

A casa planeta está doente, como bem sabemos e fingimos não saber. O assunto crise climática tornou-se, em simultâneo, urgente e banal. Enfrentamos os dias com uma confiança eterna naquele verso de Caetano Veloso: e o céu de um azul celeste celestial. E se o azul ficar menos celeste quando o virmos amanhã, no próximo mês, no próximo ano? Na canção de Caetano, o Trem das Cores, há outras aparições luminosas, como: crianças cor de romã entram no vagão, ou: a seda azul do papel que envolve a maçã.

Sem querer, voltei a pensar nas cores e a atribuir significados. Mas o que queria era falar de casa.

Acho que percebi melhor a doença da casa-planeta quando adoeci durante a pandemia. Para manter a metáfora: o meu corpo-casa esteve doente. Esteve em desequilíbrio, em ameaça, num tempo que agora nos parece longínquo; e, contudo, foi ontem. Foi há apenas três anos, um grão de tempo na grande ampulheta. Percebi muitas coisas sobre as casas, as construídas e as outras, sobre alicerces, sobre o movimento de placas tectónicas, sobre a importância de saber esperar, de respeitar o corpo, de sarar feridas nesse período. Todo este vocabulário soa duvidoso, entrou no domínio dos livros de auto-ajuda. E tenho pena. Porque diz coisas muito importantes. Vou socorrer-me do que tenho à mão para dizer de outra maneira o que quero dizer.

Este Aqueduto que aqui vemos, que se vê, aliás, de todo o lado. A acústica do edifício deve ser maravilhosa, com o murmúrio dos passos, o barulho das águas que imagino livres, dentro de canais. Sempre me fascinou o eco que é próprio da água, e que é distinto do eco de um lugar seco.

O Aqueduto existe desde o século XVIII. A sua função era captar e distribuir água. O que podemos aprender com ele? Num plano simbólico, interrogo: como se mantém a pureza da água? Como mantemos a nossa inteireza, a nossa essência, apesar da constante contaminação? 

Estas árvores, há quantos anos aqui estão? Como sobrevivem às intempéries, à seca, à doença? Como se alimentam e resistem ao tempo em que tudo está à míngua e é preciso ser estoico?

O que se passa dentro do Aqueduto, dentro das árvores, dentro do nosso corpo é invisível. Atentamos nos sintomas da doença, podemos imaginar a erosão da pedra, o rebentar dos botões, os alimentos a partirem-se e a transformarem-se noutra coisa dentro do nosso intestino, mas, na verdade, não sabemos e não vemos.

Com as casas, é o mesmo. Conhecemos os processos de construção, o cimento que liga, a viga que segura, e logo a seguir esquecemos tudo. E temos a casa a cheirar a tinta, sem insectos, sem migalhas no chão, sem cabelos na almofada. Demora muito tempo até que os roupeiros tenham o nosso cheiro, a varinha mágica faça uma faísca e deixe de funcionar, as nódoas da gordura corporal fiquem desenhadas na cadeira, as moscas venham atrás da fruta tocada.

As casas são como no poema do Ruy Belo:

Oh as casas as casas as casas

as casas nascem vivem e morrem

Enquanto vivas distinguem-se umas das outras

distinguem-se designadamente pelo cheiro

variam até de sala pra sala [ ...]

Oh as casas as casas as casas

mudas testemunhas da vida

elas morrem não só ao ser demolidas

Elas morrem com a morte das pessoas [...]

Na casa nasci e hei-de morrer

na casa sofri convivi amei

na casa atravessei as estações

Respirei – ó vida simples problema de respiração

Eu mudei de casa pouco antes da pandemia. Construí a casa durante a pandemia. Ocupei-me desse invólucro quando o meu próprio corpo estava a ser agredido. Foi terapêutico e foi uma construção prazerosa.

Com ou sem doença, esse foi um tempo de aprendizagem para todos. Como é estar confinado a um lugar, multiplicar os passos, as caras, os gestos ad eternum, ter a cidade como um mapa amputado? A nossa saúde mental ainda se ressente de tudo isto. E muito está ainda por rebentar. 

Naqueles meses, muitos meses, eu vi a cidade como uma extensão do meu corpo, a casa como uma extensão do meu corpo. Só no plano da imaginação, mas foi assim. No plano factual, lavei comida, tive medo, vi notícias, falei pelo zoom e pelo whatsapp. Compreendi que há um momento em que o ecrã é insuficiente e precisamos do peso do corpo, da rotina do café da esquina, do encontrão, do desencontro, de ver a vida de olhos bem abertos. Comprei plantas e alimentei-me desta presença viva, ouvi em repeat o disco de Stevie Wonder The secret life of plants.

Como são as vidas secretas das plantas, das casas, das pessoas? Que mistério há no som? Como desvendar os mistérios da memória? Porque é que o azul cobalto sugere felicidade a Vieira da Silva? Porque é que brincar e manter uma alegria pueril é tão importante? Como seria a infância do próprio João dos Santos, que nos ensina a encarar esse tempo como forma de encontrar o nosso segredo?

Este Jardim das Amoreiras pode ser encarado como uma casa? Não tem limites bem definidos, embora tenha um recorte reconhecível. É mais fresco sob as árvores, é possível fazer uma espécie de piquenique debaixo dos arcos do Aqueduto, podemos usar a praça, simplesmente, como lugar de atravessamento, podemos escutar o barulho do eléctrico ou o som dos pássaros, ou ouvir fragmentos de conversas vizinhas. Podemos entrar na casa e no museu de Vieira e Arpad, podemos sonhar a partir da sugestão de João dos Santos. Quando andamos, vamos em busca de quê? E o que é que nos atira para um lugar e não outro? Porque é que fazemos uma escolha e não outra? Porque é que me sinto em casa aqui e outros lugares me são inóspitos? O que dita o nosso to be? Onde pomos o nosso ímpeto, a nossa líbido, o nosso tempo, o nosso gesto, o pincel, o lápis.

Sinto que dei uma grande volta ao mundo. Claro que é o meu mundo. Dei voltas à praça, percorri muitas léguas dentro dos meus sentidos, viajei no tempo. Fechei os olhos. Respirei o ar quente da Primavera. Obrigada aos que viajaram comigo. Gostaria muito que se continuassem a fazer perguntas.