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Anabela Mota Ribeiro

Paulo Trigo Pereira

09.11.15

Paulo Trigo Pereira é professor catedrático de finanças públicas no ISEG. É candidato a deputado nas listas do PS num lugar elegível. No Outono, a sua vida será outra. A geografia, a mesma. A entrevista aconteceu no seu gabinete na universidade, onde estão duas reproduções de Vermeer. As fotografias foram no jardim em frente, a dois passos da assembleia. Nesta entrevista vamos ao começo da sua vida política, olhamos para o país, a Europa num momento de indefinição, são apontadas opções, é abordado o problema Sócrates e o impacto que isso pode ter no PS.

 

Porque é que decidiu meter mãos na massa e entrar na política em sentido pleno?

Estive empenhado politicamente logo a seguir ao 25 de Abril. Venho do Movimento de Esquerda Socialista [MES], desde 76 até à sua extinção. Fui dirigente estudantil no liceu Pedro Nunes. Quem viveu aquele período do PREC, um período surreal, fica com o bicho da política. É uma espécie de vírus.

 

Surreal em que sentido? Porque tudo parecia possível?

Porque se faziam coisas surreais. Houve uma mega manifestação com dezenas de milhares de soldados, os SUV, Soldados Unidos Vencerão, na Avenida da Liberdade. Fomos para o Parque Eduardo VII e alguém disse assim: “Há uns soldados que estão presos na Trafaria, vamos libertar os soldados”. Eu tinha 16 anos. O meu irmão mais velho tinha 21 ou 22. Precisávamos de meios de transporte para ir para a Trafaria. O meu irmão pediu-me para parar um autocarro. Um aqueles double deck, como há em Inglaterra. Foram 30 autocarros para a outra margem, mais carros privados. Passámos a ponte 25 de Abril que estava ocupada pelos Deficientes das Forças Armadas, fizemos uma grande festa. Na Trafaria, uns bons milhares de pessoas, dissemos: “Não saímos daqui enquanto os soldados não forem libertos”.

 

Armas, zero?

Nada, nada. Fizemos umas fogueiras, estivemos à conversa, e às duas, três da manhã alguém disse: “Falámos com Otelo Saraiva de Carvalho e os soldados vão ser libertos”. Isto ainda deve ter sido em 75.

 

Passam agora 40 anos sobre o Verão Quente.

E como esta aconteceram uma data de coisas surreais. Obviamente houve quem sofresse bastante neste período.

 

A direita.

Sim. Mesmo na minha família. Tenho um tio que tinha uma empresa de construção civil e que ficou arruinado.

 

Na sua casa estava a ala esquerda da família?

Éramos cinco irmãos, todos do MES. Os meus pais eram amigos do Nuno Teotónio Pereira, do Francisco Pereira de Moura. Grupos de casais católicos progressistas.

 

Há em si algum resquício dessa herança? Não direi conservadora, mas mista.

Naquilo que sou há três ramos que influenciam. O do meu pai, mais progressista. O da minha mãe, mais conservador. O meu avô foi um jovem militar da Primeira Guerra Mundial; estava de certa maneira ligado ao regime. O terceiro ramo veio depois, mas já cá está há muito tempo: o ramo da minha mulher, cujo pai é da família do Jaime Cortesão, republicano, laico.

 

Estava a pensar no seu posicionamento em relação às contas públicas, na ideia de que têm de estar em ordem. Deriva de uma raiz mais conservadora?

Nisso sou aparentemente conservador, mas na verdade muito radical. A ideia subjacente à pergunta, de que esta contenção é conservadora, gostava de a subverter.

 

Como assim?

A radicalidade é termos soberania. Não consigo aceitar que se aprove, sob a capa de um discurso [de defesa] de direitos sociais, uma insustentabilidade do Estado – que nos leva à perda de soberania. Estamos a ver o que está a acontecer na Grécia. Um Estado não pode ser soberano se não for responsável. E para ser responsável tem que ter emprego e finanças públicas minimamente sustentáveis. Quando me reformar, gostaria de escrever um livro sobre as medidas que foram aprovadas na AR, apoiadas por partidos muito à esquerda, e que se consideram os defensores do Estado Social. Se fizermos a análise, medida a medida, do que foi aprovado nos últimos dez anos em Portugal, e como é que votou o BE, o PCP, chegamos à conclusão de que [estes partidos] contribuíram para a insustentabilidade do Estado que dizem defender. Não acho isso radical. E não acho a minha posição conservadora.

 

A trave mestra, quanto a si, é garantir a soberania? E isso só se consegue através da contenção das contas públicas.

Sim.

 

Mas não abdicamos, na prática, da soberania ao assinar tratados, ao ficar vinculados a esses tratados?

Mas porque é que os assinámos? Há muitos tratados, há uns com os quais concordo e outros dos quais discordo. Da forma como está desenhado o Tratado Orçamental, por exemplo, discordo. Porque obriga todos os países da União Europeia a terem o mesmo tipo de política orçamental. Sincronizadamente.

 

Considera que é injusto, desigual?

Não é praticável. Sobretudo, não pode haver Tratado Orçamental sem que haja uma coisa em cima, que é um orçamento da União Europeia, que tem um efeito redistributivo.

 

Como forma de reduzir as desigualdades?

Como forma de reduzir as desigualdades de crescimento e de desenvolvimento dentro dos países da área Euro. Se não tivermos isso, o Euro desaparece. Não há nenhuma união monetária no mundo que não seja sustentada por um governo federal. Na Europa temos uma política monetária centralizada e temos cada país a fazer a sua política orçamental. Para que isto não descarrile (esta é a visão dominante), fazemos estes tratadozinhos para ver se todos se comportam bem. Mas isto não tem futuro nenhum. Nos Estados Unidos da América há regras orçamentais semelhantes ao Tratado Orçamental. Mas por cima disto há um orçamento federal. O orçamento federal tem programas com o AFDC, Aid to Families With Dependent Children.

Este Governo não fez nada [para promover esta discussão]. Espero que o PS seja o próximo governo. Estou certo que terá uma atitude proactiva no espaço europeu.

 

Na prática dava o quê?

Imaginemos que existia um seguro de desemprego europeu que co-financiaria o desemprego nos Estados membros. Isso significaria que a Grécia, que tem um elevadíssimo desemprego, iria receber dinheiro. Como Portugal, Espanha, todos os países. Não é perdoar a dívida. Perdoar a dívida é dar uma benesse. Isto aqui é solidariedade. E criava uma coisa fundamental e que não existe, que é o sentimento de pertença à União Europeia. Neste momento se perguntar o que temos de cidadania europeia, só vejo três coisas: o Euro, o Erasmus e o espaço Schengen. Não chega. Enquanto não tivermos cidadania europeia, o finlandês preocupa-se com a sua quinta. E o português de Trás-os-Montes ou de uma ilha grega também não sente a Europa. Sente a Europa como aqueles que nos querem impor a austeridade.

 

A percepção que os portugueses têm da Europa mudou radicalmente nos últimos anos. Nos anos 80 e 90 havia um sentimento de orgulho, a Europa era vista como uma entidade bondosa. Porém, a Europa já não manda dinheiro, e vincula-nos a soluções para as quais eventualmente não estamos preparados.

Sim. A Europa, ou dá passos em frente ou acaba. Aquilo a que assistimos das negociações [com a Grécia] foi um péssimo exemplo para toda a Europa.

 

O que acaba é a União Europeia, o Euro, uma certa ideia de Europa?

O Euro em si não vai acabar. A questão é saber quantos países vão continuar a partilhar o Euro. A Europa está num problema difícil de resolver. Ou avança rapidamente no sentido de uma união orçamental e mecanismos de transferências que dão sustentabilidade aos países, e que não obrigam a uma austeridade desta natureza. [Ou acaba.]

Portugal ainda está numa situação de crise muito grave. Regresso à pergunta inicial. A razão porque me disponibilizei para servir o país de outra maneira – todos servimos o país nas nossas profissões – foi achar que estamos numa situação crítica do ponto de vista nacional e europeu. Os próximos quatro anos vão ser anos decisivos quer para Portugal quer para a Europa.

 

Há 40 anos havia a sensação de que tudo era possível, mesmo as coisas mais surreais eram concretizáveis. Agora, empenho, esperança, uma ideia de futuro são o que mais falta no país. As pessoas estão desalentadas.

Há um grande desafio na Europa e em Portugal: o crescimento económico e o emprego. Se conseguirmos crescer e criar emprego, isso vai dar esperança às pessoas e abrem-se os nossos horizontes. Aí podemos voltar a ter recursos, investimento na cultura. (Há coisas em que se corta primeiro, no investimento público e na cultura. A cultura teoricamente não serve para nada, quando, do meu ponto de vista, é aquilo que dá identidade a qualquer país. Quando vamos lá fora não vamos à procura do PIB, vamos à procura do Vermeer. Ou de ouvir um concerto.)

Se vivemos numa sociedade – isto tem dez anos, foi agravado nos últimos três anos –, em que não há crescimento económico e não há emprego, não só isto cria uma marca geracional de falta de esperança, como, a prazo, cria problemas sérios à própria sobrevivência da democracia.

 

Porquê?

As democracias só vivem com algum crescimento económico. Não é por acaso que o Hitler surgiu na Alemanha naquela altura. Aceitei este convite porque estou bastante alinhado com as prioridades políticas que o PS coloca neste momento. Temos que pôr a economia a crescer e temos que criar emprego. Não podemos ter uma mera versão contabilística das finanças públicas. Como professor de Finanças Públicas estou à vontade para dizer isto. Não posso pensar que corto salários e pensões em dois mil milhões de euros e que o défice vai diminuir dois mil milhões de euros – porque não vai.

 

Acha que aquilo que aconteceu nestes anos foi uma reorganização contabilística das finanças públicas?

O que aconteceu foi uma péssima gestão orçamental que quis ir para além da Troika. Lembremos o primeiro orçamento de Vítor Gaspar: eu e alguns amigos académicos fizemos uma petição para a AR contra o OE de 2012 porque, de facto, punha em causa tudo, era errado socialmente e economicamente. Era este pensamento contabilista: corto os subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e aos pensionistas, e rapidamente tenho o défice controlado. Foi uma péssima política orçamental que acabou por ser ziguezagueante. Depois entrou o Tribunal Constitucional, e bem, e travou, e obrigou a reorientar. A [juntar] o corte brutal da despesa veio no ano seguinte o aumento brutal dos impostos.

 

Os números ficaram mais equilibrados, depois destes anos de austeridade?

Não. O número fundamental para as finanças públicas é o rácio da dívida no PIB. Tudo o resto é importante porque tem um impacto neste rácio. Tenho a dívida no numerador e tenho o PIB no denominador. Tenho crescimento económico do denominador e tenho a dívida pública no numerador. Este indicador e a sua dinâmica é que caracterizam a sustentabilidade das finanças públicas. Quando este rácio é estável, 50%, 40%, tenho as finanças públicas saudáveis. Neste momento estamos em 130% do PIB. A situação do ponto de vista das finanças públicas, se olhar para o critério de dívida, que é o mais importante, não está melhor, está pior.

 

O que é que está melhor?

O défice está melhor.

 

Não é uma questão menor.

Não. Só que há muitas outras coisas que estão piores. Posso reduzir o défice, que foi o que este Governo fez, diminuindo dramaticamente as prestações sociais e lançando para a pobreza uma data de pessoas. A questão é saber se se quer ter um sucesso financeiro à custa de um insucesso social. E isso as pessoas de esquerda não aceitam. Os beneficiários do Complemento Solidário para idosos, que foi um instrumento criado por um governo do PS, e que reduziu imenso a pobreza nos idosos, em 2010 eram 247 mil idosos a beneficiar. Em 2014 são 213 mil. Reduziram 30 mil beneficiários, mais de 10%. Isto para poupar uns míseros 50 milhões de euros, que em termos de OE não conta nada.

 

Onde é que cortaria esses 50 milhões? Era preciso cortar de alguma maneira para equilibrar as contas.

A privatização dos CTT: é uma empresa que dava dividendos ao Estado. Dirão que era preciso [vendê-la] para diminuir a dívida. Não é verdade. O memorando de entendimento previa um volume de privatizações, em termos de encaixe financeiro, muitíssimo inferior àquilo que o Governo já realizou. (Até no liberal Estados Unidos, vamos ao parque das sequóias gigantes na Califórnia, e lá estão os correios dos United States of America. Aquilo dá um sentido de identidade nacional.) Não precisava de privatizar essa empresa que deu um encaixe financeiro pequeno, nem sequer de acordo com o memorando de entendimento, para alcançar o objectivo. E os dividendos que essa empresa dá são muito superiores a estes 50 milhões.

 

Vendemos anéis que não era preciso vender. Algumas companhias que têm que ver com serviços básicos e identidade que não devem ser alienadas. No essencial, é isso que diz?

A perspectiva deste Governo tem sido cortar em tudo o que se pode cortar. E arrecadar em tudo o que se pode arrecadar. Isto leva a um tratamento muito desumanizante.

O PSD e o CDS não faziam a mínima ideia do que era o Estado. Andaram quatro anos a fazer documentos vários sobre a reforma do Estado, [usando] a famosa frase das gorduras [que era preciso cortar]. Quando chegaram à altura de reduzir o défice, utilizaram esta estratégia meramente financeira: cortar naquilo que pesa, salários, pensões e juros. E arrecadar o mais possível. Mas isto não é estratégia económica nenhuma. Incorporaram no programa de estabilidade uma medida de corte de 600 milhões de euros nas pensões, mas não diziam que impacto isso vai ter na economia.

 

Que solução preconiza?

Tem que se ter uma estratégia para o crescimento económico, para o emprego. E as finanças públicas são o resultante disto. Se tiver a economia a crescer, gera receita fiscal no IVA, no IRC, etc. E gera menos despesa em subsídios de emprego, etc. O foco central deve ser posto no crescimento e no emprego. E obviamente controlar as finanças públicas. Mas o que foi feito foi ao contrário. Foi pensar que era possível gerir as finanças públicas, que aceitávamos este problemazinho, e que depois a economia ia florescer.

 

A falta de crescimento da economia não é uma consequência da crise. Quando olhamos para os números das últimas décadas, percebemos que o país não cresce, ou cresce muito pouco, há 20 anos.

Sim, é verdade. A solução passa por focalizarmos na questão do crescimento económico. E ver todas as medidas que podemos tomar para melhorar o crescimento económico e o emprego. Muitas delas estão no programa que o PS está a apresentar às eleições. Com as quais concordo. Por exemplo, as medidas em relação ao mercado de trabalho, as medidas em relação à ligação entre as empresas e as universidades. Somos um dos países da Europa em que há menos transferência de conhecimento das universidades para as empresas. As empresas estão asfixiadas e as famílias também, por excesso de endividamento. É preciso resolver o problema do excesso de endividamento.

 

O motor do crescimento foram as grandes obras públicas, que pararam com a crise. Como é que se põe a economia a crescer, a criar postos de trabalho, quando não se tem disponível esse canal que, apesar de tudo, foi aquele que funcionou nos anos anteriores à crise?

O investimento em grandes obras públicas: primeiro, não temos condições para o fazer. Segundo, muitos deles, não seria desejável que fizéssemos. Já fizemos alguns que não devíamos ter feito. Há certo tipo de investimentos, por exemplo em regeneração urbana, que criam emprego e têm um efeito motivador da economia, que são positivos. Temos que reorientar o investimento público. Portugal tem algumas condições estratégicas. O porto de Sines é considerado uma boa plataforma turística se a conseguirmos ligar à Europa. Temos que insistir na logística, na infra-estrutura. Temos que promover as exportações. Também aqui há duas visões de política económica. A visão deste Governo era: podemos comprimir e cortar o consumo interno, vamos crescer só na base das exportações. A visão que subscrevo é diferente. Por um lado, temos que estimular o consumo interno, e para isso há um conjunto de medidas [no programa do PS] que dão rendimento aos funcionários públicos, às famílias. Por outro lado, promover a exportação.

 

Estamos nem a três meses das eleições. No momento em que fazemos a entrevista ainda não é conhecida a data em que os portugueses vão às urnas.

Porque é que não sabemos? Vamos ter um governo que será criado em Outubro, e que vai apresentar o Orçamento de Estado lá para Janeiro. Vamos estar em Janeiro, Fevereiro a discutir OE. Discordo profundamente do Presidente da República, embora ele esteja dentro da legalidade. Está a esquecer as regras comunitárias. Os OE são avaliados pela União Europeia. Penso que o Presidente da República sabe isso. Dever-se-ia ter feito as eleições mais cedo para permitir cumprir o semestre europeu, que não vamos cumprir em 2016.

 

Depois de quatro anos de austeridade, a verdade é que o PS não arranca nas sondagens. Uma sondagem recente dizia que por mais descontentes que as pessoas estejam, não encontram no PS uma verdadeira alternativa. Isto tem a ver com uma fraca oposição?, com o facto de as pessoas estarem tão desmobilizadas da política que acham que tudo é igual?

Tem a ver com muitas coisas. Há uma campanha pela frente que poderá ajudar nas sondagens, que ainda por cima se podem enganar. Temos que relativizar. A razão fundamental é que António Costa, e bem, não quis fazer demagogia como Passos Coelho em 2011. Essa é a maneira de descolar nas sondagens. A maneira de descolar nas sondagens é dizer: “Vamos acabar com a consolidação orçamental.” É prometer o paraíso na terra. O Syriza, na Grécia, também descolou nas sondagens, e ganhou. Ganhou e agora estamos a ver o que é que se está a passar. O embate na realidade é fortíssimo.

 

António Costa está a ser prudente?

António Costa fez o que devia ter feito: preparar um programa de Governo realista. Para isso convidou 12 economistas para elaborar o cenário macroeconómico. Um programa que é realista não é um programa tão apelativo como dizer que amanhã repomos a totalidade dos salários dos funcionários públicos. Se calhar, daria mais três pontos nas sondagens e nos votos, mas isso seria o descrédito da democracia. Políticos que fazem esse tipo de campanha serão penalizados por fazerem o oposto do que prometeram.

Obviamente também há o fenómeno [do alheamento]. Há pessoas que já não votam, pura e simplesmente. O sucesso, maior ou menor, que os vários partidos poderão ter nestas eleições é levar pessoas que já estão descrentes da democracia [a votar].

 

Como vê esse alheamento?

Eu compreendo-as, de certa maneira. As pessoas quando vêem promessas que são depois defraudadas ficam a perguntar-se para que é que serviu o seu voto. Ficam com remorsos de terem endossado um cheque a alguém que fez o contrário daquilo que disse que ia fazer. Diria que grande parte daquilo que acontecer depende de essas pessoas confiarem ou não nas propostas que estiverem em cima da mesa.

 

O Syriza é uma pedra no sapato do António Costa? A radicalidade preconizada pelo Syriza obrigou António Costa a definir-se ideologicamente? Se ia mais à esquerda, se ia mais ao centro, com quem é que podia fazer alianças.

O Syriza não é pedra nenhuma no sapato. O PS pode ganhar com o voto útil de algumas pessoas da esquerda radical que olham para a Grécia e dizem: “Afinal, acabaram por assinar este acordo para não sair do Euro”. Nunca houve tanto apoio parlamentar para um resgate como houve neste. Os representantes dos gregos, entre a alternativa de sair do Euro e ter o sol a brilhar, ou ficar no Euro, mesmo com um plano duríssimo, preferiram esta opção. Por isso é que isto não é pedra nenhuma no sapato de António Costa. É uma pedra no sapato do PCP, do Bloco de Esquerda e do Livre, de certa maneira.

 

Se o Syriza tivesse conseguido, com os 22 pontos de vantagem no referendo, ter uma força negocial diferente e acordar um pacote menos austeritário, isso daria um alento diferente a António Costa? No sentido de ser possível um caminho mais à esquerda. O que acabou por acontecer representa a necessidade de fazer concessões e ir ao centro.

Mas não concordo com o centro, o PS é um partido de esquerda. Há centro-esquerda, há esquerda radical e há direita. A palavra centro sugere que PS e PSD é mais ou menos tudo o mesmo. Não é nada tudo o mesmo. O que distingue esquerda e direita é a atitude face às desigualdades. A desigualdade no nascimento, de acesso à educação. A direita aceita as desigualdades que resultam do mercado; ganha mais, tem mérito. A direita acha que o importante é que a economia cresça, que tudo o resto se resolve. A esquerda tem uma noção de dignidade da pessoa humana independentemente de tudo o resto. A esquerda acha que as desigualdades excessivas (e vale a pena relembrar que Portugal é um dos países mais desiguais da Europa), são um problema da vida em sociedade.

 

Voltando ao Syriza e ao seu impacto na política interna.

Nunca acreditei, e penso que ninguém no PS acreditou, que o Syriza pudesse revolucionar o modelo de funcionamento europeu. Quando o Syriza ganhou as eleições, escrevi um artigo no Público chamado Revolução ou Tragédia. E dizia que acreditava na revolução quando tinha 15 anos. Tinha um poster no meu quarto que dizia: “Revolução socialista já!”.

 

E agora?

Agora não acredito [risos]. Esta ideia de que vem de lá um Varoufakis, qual super-homem charmoso, que chega ao Eurogrupo e que vai impor as suas regras..., nunca acreditei nisso.

 

Sócrates: esta sim, uma pedra no sapato de Costa? É uma bomba que pode explodir? Já explodiu tudo o que tinha para explodir?

Ninguém sabe se Sócrates é ou não inocente. A justiça funcionará e vai deliberar sobre esse assunto. Há no PSD, também, pessoas com problemas com a justiça. Os partidos são o reflexo da sociedade: pode haver problemas de corrupção, de fuga ao fisco.

 

A questão é que estilhaços é que isso tem sobre o partido.

Estou a contextualizar para se perceber que cada partido tem os seus problemas com a justiça. Sócrates é o mais visível porque foi primeiro-ministro. Estas questões existem, o que queremos é construir uma sociedade em que se combata o mais possível a corrupção, mais transparente.

Sócrates é militante socialista e quererá, como todos os militantes socialistas, o sucesso eleitoral do PS. Perceberá que qualquer intervenção que faça nesta fase será prejudicial para o PS. A minha expectativa é que não esteja activo [durante a campanha eleitoral] por respeito pela actual liderança do PS e pelo PS. Da parte do PS, o secretário-geral também esclareceu já a posição. Há uma coisa que é a política e há uma coisa que é a justiça. Não devemos confundir as duas coisas. Devemos mantê-las separadas.

A minha opinião pessoal é que é excessiva esta prisão preventiva. Parece que o Ministério Público, passados estes meses, ainda não produziu prova com suficiente robustez.

 

Até que ponto este caso vai influenciar as eleições?

Influencia sempre um bocadinho. Isto sim. O Syriza e a Grécia, pelo contrário, podem ter um efeito de voto útil.

                                                                     

Já não estamos no tempo do poster na parede. Que divisa escolheria para si enquanto pessoa que vai assumir a função de deputado, que está na iminência de começar uma nova fase na sua vida?

Dar o meu melhor, dentro das minha possibilidades, para tornar este país mais alegre e solidário.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2015