Quest. Natal - José Avillez
Qual o presente que mais gostou de receber? A Pipi das Meias Altas, uma gravata Hermès, Dinky Toys? João Talone indicou um lanche com o Avô quando aprendeu a ler…
Um canivete suíço quando tinha dez anos. Fazia barcos com a casca das árvores.
Alexandre, o Grande, disse a Diógenes Laércio que este lhe podia pedir o que quisesse… Mas o filósofo respondeu apenas: “Quero que saias da frente porque me tapas o sol…”. Se lhe fosse dado a escolher o que quisesse, o que seria? (Paz, Amor e Saúde não contam!!)
Com estas limitações, não deixo de assumir que pediria, paz, saúde e amor... Também gostaria que me saíssem da frente do sol... Mas se tenho de dizer algo mais, que tal um cliente satisfeito por um grande prato que lhe tenha servido?
Um Natal celebrado fora da família: compras para a ceia no mercado de Rialto, um passeio de gôndola ao cair da noite, o labirinto de ruas e canais por uma vez deserto. Poderia permitir-se esta ousadia?
Já andei por Veneza noutras épocas e noutras festas. O Natal, passo em família, mas já o passei em viagem. Felizmente permito-me essas e outras ousadias.
Um Natal celebrado em Família: os ciúmes entre irmãos que confirmam Abel e Caim, a cobiça sexual da cunhada como num filme de Woody Allen, os familiares que cobram os divórcios e os fracassos com impiedade. O Natal pode ser uma interminável lista de horrores. Que horrores pode contar?
Felizmente são Natais tranquilos sem grandes horrores... Uma ou outra surpresa, uma ou outra fofoca.
Outro Natal celebrado em família: a cozinha cheia de aromas, a caminhada até à missa do Galo, a excitação das crianças e dos presentes. «A vulgaridade é um lar», dizia Pessoa… O que é que no Natal é para si um lar?
A cozinha, a mesa bem posta, os risos das crianças, os versos do avô, a família, as memórias e as saudades...
Maria de Lourdes Modesto gosta de fazer um bolo inglês para uma pessoa querida. Júlio Machado Vaz ofereceu uma página do seu diário a Eugénio de Andrade. Que presente gostaria de fazer com as suas mãos? Para oferecer a quem?
Já ofereci um presépio esculpido por mim, em pedra, aos meus avós. Hoje seria um cozinhado; tenho alguns candidatos: a minha família, amigos e namorada.
“Do céu caiu uma estrela”, de Capra, ou “Fanny e Alexander”, de Bergman? A Menina dos Fósforos ou os personagens de Dickens? Pai Natal ou Menino Jesus? Abrir os presentes depois da Ceia ou na manhã de 25?
“Do céu caiu uma estrela”, A Menina dos fósforos, o Menino Jesus, depois da ceia.
No Natal, as crianças escrevem intermináveis listas de presentes que gostariam de receber. O que constava da última lista que escreveu?
Nunca fui muito de listas, sempre liguei pouco a presentes. A emoção do natal, enquanto criança, já eram as comidas, os primos mais velhos e as brincadeiras em casa das tias.
“Entre por essa porta agora, e diga que me adora, você tem meia hora para mudar a minha vida”, canta Adriana Calcanhotto. Já esteve a pontos de mudar a sua vida em meia hora? E por acaso isso coincidiu com as Festas?
A minha vida quase sempre mudou em meia hora. As decisões importantes tomam-se rápido. Infelizmente o tempo obrigatório de reflexão está sempre limitado. Este barco não espera.
O pior de começar o ano é: perceber que nada mudou? Ter de fazer uma dieta drástica para combater os estragos da saison? Perceber que a sogra, o rival e o medíocre continuam por perto?
Que nada mudou – se estiver mau no ano anterior.
Ficar mais magro, deixar de fumar, inventar mais tempo para os filhos… As resoluções de Ano Novo entraram no anedotário universal! Já alguma vez cumpriu alguma? Quais são as fazíveis para 2008?
Inventar tempo para descansar, trabalhar menos e ter mais tempo para as pessoas que me rodeiam. Talvez tirar umas férias, já não tenho há três anos.
Para o ano novo vinha mesmo a calhar: um carro novo, um emprego novo, umas coxas novas, o Chico Buarque a morar no bairro, uma secretária parecida com a Laetitia Casta? Uma vida nova?
Claramente a secretária parecida com a Laetitia Casta!
Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2007