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Anabela Mota Ribeiro

Xavier Rodríguez-Martín

05.05.15

Xavier Rodríguez-Martín é o tipo de homem que aperta a mão de modo vigoroso às nove e meia da manhã. Tem uma simpatia efusiva, que mesmo assim parece profissional. Tem a vitalidade de quem levanta a palavra estamina ao pequeno-almoço. Tudo nele é meticulosamente arrumado, com caixas de cores diferentes para identificar a prioridade das tarefas. Uma coisa que se deve aprender (ou estimular) em escolas milionárias na Suíça. De onde saem a dizer o que as mulheres topam em três tempos. Por exemplo: que os homens são mais lineares e que a emoção é um elemento nada despiciendo no processo decisional (mesmo quando se trata de um orçamento de Estado).

Habilmente, tinge o discurso com a experiência da Oni nas matérias de que falamos, apesar de lhe ter dito que os negócios eram pouco para ali chamados.

Está em Portugal há tempo suficiente para ter um português correcto, mesmo que engula sílabas e espanholize tudo com uma pronúncia que os espanhóis nunca perdem. Com o passar da hora (gravámos menos do que é normal, mas a transcrição integral tem o tamanho habitual, e daqui imaginam a rapidez com que Xavier fala) fui percebendo que, além dos livros de Hobbes, o CEO da Oni também leu Tolstói – o que cai sempre bem numa estante e numa conversa.

Por fim, as fotografias: havia uma peça de José Pedro Croft e pedi que uma das fotografias fosse aí. Xavier acedeu e experimentou diferentes situações para as restantes fotografias. É claro que se despediu à portuguesa, com dois beijinhos, duas horas depois da hora da partida.

Na secretária, uma fotografia antiga das quatro filhas.

 

 

Trabalhou no Peru, na Califórnia, em Espanha, em Portugal. Como é que se começa uma conversa em cada um destes países?

O mundo das telecomunicações, à diferença de outros sectores, é um sector global. A estrutura dos mercados, a história das telecomunicações, é muito semelhante em todos os países. As pessoas capazes também existem em todos os países. Sou dos que pensam que é muito mais o que nos une do que o que nos separa. O meu ponto de partida é alguma curiosidade, algum interesse pela matéria humana. O acto de comunicação passa muito por entender a postura da outra parte.

 

Empatia, portanto.

Empatia, mas pouco esforçada. Tive o privilégio de trabalhar com os jornalistas [que acompanharam] os Jogos Olímpicos de Barcelona. Da comunicação, no sentido lato, já conhecia a vertente mais tecnológica, mas interessavam-me também os conteúdos, os jornalistas, como é que trabalham, como é que pensam. Sempre digo que no gerir uma empresa, uma família, um mercado, o mais importante é a comunicação.

 

E o sucesso.

“Think globally, act locally”. ”And panic internally” [riso]. O sucesso e o insucesso são sempre relativos. Se ganhamos distanciamento, se priorizarmos as poucas coisas que são importantes na vida, ganhamos calma interna para enfrentar as chicotadas emocionais do nosso dia-a-dia. Todos temos sucessos diários, temos que aprender a desfrutar deles, porque nos enriquecem, porque nos fortalecem.

 

Lemos nos manuais que é importante lidar com os nossos falhanços diários. Ao mesmo tempo sabemos quão difícil é praticar essa ideia. Sobretudo quando a sociedade e a realidade empresarial é voltada para o sucesso. Pode falar-me de um insucesso que o tenha feito relativizar tudo o que tinha conquistado?

Há quem diga que a forma da felicidade é ter boa saúde e má memória. Eu tenho uma péssima memória. Não fico ancorado ao grande número de insucessos que tenho tido na minha vida, esqueço. E não é utópico, é verdade. É fundamental para poder progredir. Tentar aprender com elas, tentar digerir em termos emocionais e passar ao assunto seguinte.

 

Como é que é quando perde?

Não gosto nada de perder, mas tenho capacidade de aprender com os meus erros, e até de desfrutar deles, no sentido de ganhar algum distanciamento, de rir-me de mim próprio.

Um dos principais erros nas empresas, e nos países, é tentar compensar as nossas fraquezas com o resultado das nossas fortalezas. Na história da ONI isso aconteceu. A ONI nasceu para ser como uma PT em pequenino, concorrente em todas as áreas. Mas não podemos concorrer contra empresas que têm monopólios, na electricidade, nas telecomunicações. Fomos bem sucedidos nos primeiros anos em determinadas áreas, e fomos mal sucedidos noutras. O que fizemos há cinco anos, e que tivemos a coragem de reconhecer, foi que não podemos ser bons em tudo. É preciso ter alguma humildade.

 

Mais uma coisa fácil de dizer e difícil de praticar.

É verdade quando diz que as palavras são fáceis de dizer. Uma vez vi uma estatística que dizia que a frase mais frequente quando as pessoas estão a morrer é: “Gostaria de ter assumido mais riscos, gostaria de ter seguido o meu sonho de juventude, e não o fiz”. Não há nenhum momento em que sejamos mais sinceros connosco que quando não temos nada a perder, e quando não temos nada a perder é nos últimos momentos da nossa vida, quando só temos que responder a nós próprios.

 

Então olhe-se ao espelho e pense nos seus sonhos de juventude, nos riscos que não tomou.

Queria fazer coisas muito variadas. A variedade, a mudança é um valor importante. A rotina gera muito desperdício e a vida é demasiado curta para não explorarmos todos os caminhos que conseguirmos. Sempre tendo algumas referências, em termos de valores familiares (o que os psicólogos chamam de secure basis). Desde jovem sabia que queria fazer coisas internacionais, daí a variedade de países que referiu. Somos três irmãos e os três somos engenheiros de telecomunicações. Sou o irmão do meio. Tinha professores que diziam que tinha que estudar para ser advogado, Letras, coisas [para resolver] as minhas inquietações emocionais e menos lineares. Os engenheiros vêem o mundo de forma muito mais linear, determinista. E depois estudei Finanças...

 

Depois da licenciatura em engenharia. Porquê?

Esta coisa do dinheiro, é bom entender, mexe o mundo, para o bem e para ao mal.

 

Falou da importância da comunicação. O mundo em que se movimenta é o mundo onde se faz gestão de dinheiro.

É verdade. Os engenheiros são sequenciais, simples. O mundo dos negócios é interactivo, multifacetado, tem muitos níveis. Curiosamente esse é o tipo de pensamento feminino. Considero que tenho uma forma de pensar mais feminina, e alguns dos meus melhores amigos são mulheres.

 

Não imagino nenhum CEO de uma empresa portuguesa a dizer o que acaba de dizer.

Mas é verdade, e é fundamental. Em Portugal e noutros países, e Espanha não é nenhuma excepção. Às vezes, nas lideranças das empresas sobra-nos universidade e falta-nos creche, no sentido emocional. O mundo da liderança é um caminho emocional, não é racional. Temos excesso de gestão e falta de liderança. O que pode fazer a diferença no mundo e nas empresas não são as vertentes intelectuais. Cada vez há melhores empresas onde as pessoas aprendem as técnicas de gestão. Mas a liderança, o facto de imaginar o futuro, de nos conhecermos a nós próprios e às nossas capacidades, seduzir as pessoas para que nos acompanhem nesse caminho, que é emocional…

 

Fale-me da sua mãe, com quem aprendeu essa maneira de pensar, de lidar com as emoções.

A minha mãe tem sido a driving force numa família de homens. Quatro homens, o meu pai e nós três.

 

Que expressão usaria em casa para dizer driving force? Cada família tem as suas expressões, a sua maneira de comunicar.

O fio condutor. A Catalunha, Espanha num sentido geral, não é um matriarcado. O único matriarcado em Espanha é o País Basco. Não são as mulheres que tipicamente são o fio condutor dos horários, das lições. A minha mãe é que tem tido a força, a energia de lutar contra tudo o que era preciso lutar. O meu pai tem sido a disciplina, o rigor. Acho-me mais próximo do meu pai que da minha mãe fisicamente, e também porque trabalhei com ele desde a universidade (estudava de manhã e trabalhava da parte da tarde).

 

Que trabalho?

Era uma empresa metalúrgica. Aprendi uma coisa fundamental, aquilo a que chamam aptidões situacionais. Tem-me permitido entender pessoas com atitudes vitais, com perspectivas sociais diferentes. Um operário de uma máquina, cuja máxima ambição é chegar ao fim-de-semana, e engenheiros que desenhavam máquinas, com uma vida totalmente diferente. Fiz de tudo; descarregar camiões, quando era preciso, organizar eleições sindicais, substituir o meu pai quando teve um problema de saúde. Tinha 18, 20 anos. Deve ter sido a minha melhor escola de vida.

 

O que é que o seu pai era nessa empresa?

Era o presidente e o dono. Era o dono que também tinha lavrado o seu futuro. Era de uma família humilde. Primeiro trabalhou na empresa, depois teve uma parte do capital, e quando os sócios se reformaram foi o dono único da empresa. Tudo à força de trabalho, não há nenhum brilhantismo em termos estratégicos. Trabalho e orquestrar as coisas para que acontecessem bem.

 

Isso é uma grande lição, perceber que com trabalho se chega lá? Nem sempre é suficiente, mas às vezes é.

Chegar lá, como tudo na vida, é uma questão de equilíbrios. Nada é branco nem preto, é tudo cinzento. Às vezes pedem-me uma frase que capture a minha visão da vida ou da empresa, e embora seja mais de números que de frases, há de que gosto muito; foi um chefe que tive em Silicon Valley que me disse: “Cria como um deus, lidera como um rei e trabalha como um escravo”. Essa pessoa era negra.

 

Quase sempre esteve na posição em que são os outros que o acompanham. Quase sempre esteve na posição em que quem define a estratégia, quem lidera é você.

Não exactamente. Vou dar-lhe o exemplo da ONI, onde estou há 13 anos. Sou consciente de que não sou matéria extraordinária em termos jornalísticos, a minha vida não tem sido com grandes dificuldades, que é o que perfila as pessoas.

 

Acha mesmo que o que perfila as pessoas, mais que tudo, é a maneira como superam as dificuldades?

Não tenho dúvida nenhuma. Leio menos do que gostaria, mas tenho muitíssimos livros que vou guardando para quando tiver tempo. (Tenho no meu computador uma pasta que se chama “next” – para quando tiver tempo.) Gosto muito das biografias de pessoas que têm tido vidas de arranques difíceis, e que depois são bem sucedidas. Gosto dos primeiros capítulos. O sucesso, afinal, é muito semelhante. As famílias felizes são todas muito semelhantes.

 

É uma frase famosa que abre um livro de Tolstói, Anna Karenina.As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.”

É verdade. Mas as famílias infelizes são infelizes à sua maneira. E a aprendizagem está nisso, não é na felicidade. Gosto muito do Tolstói porque acredito que o mundo, e parte da nossa solução, em Portugal, é a simplicidade “tolstoiana”. A riqueza das emoções mas a simplicidade de tudo o resto. Falávamos dos extremos, já vivi na Suíça e vivi no Peru. Portugal é um belíssimo ponto intermédio entre ambos. Já vivi o empreendedorismo do meu pai, simples, e o empreendedorismo de Silicon Valley, onde toda a gente procura que o mundo rode no sentido oposto. Na Telefónica tinha um recorde pessoal: estive lá três vezes e vim embora três vezes. Na vida pessoal, vai fazer 20 anos que estou casado, metade do tempo não tivemos filhos, agora temos quatro filhas. Vivi e estudei na Suíça com os tipos mais sofisticados que pode imaginar. Trabalhei nos Jogos Paraolímpicos, com pessoas sem braços e sem pernas. Só quando estamos expostos a esses extremos é que podemos procurar um caminho próprio. Continuamos a ser jovens enquanto temos interesse por aprender.

 

Você só tem 47. Não sei se vai ser um insulto, mas parece mais velho. Porquê?

Quando tinha 20 anos tinha exactamente a mesma cara que tenho agora. Os meus rasgos físicos. Se olhar para uma fotografia minha de há 15 anos, estou mais ou menos igual, com menos cabelo. Por isso é que tenho tido algumas oportunidades profissionais interessantes: por parecer mais velho.

 

Depois tem a energia de uma pessoa mais jovem. Não sei se tem a ver com a sua experiência de vida. Viveu situações muito extremadas.

Nunca me tinham dito isso. Considero-me uma pessoa num avançadíssimo estado de juventude, a sério. Tenho filhas pequenas, o que me ajuda muito. A mais velha vai fazer 11, depois tenho gémeas de nove, e depois oito. Nunca tive irmãs, a minha vida tem sido envueltada de homens.

 

Isto é a situação inversa à que tinha em casa – uma mãe a tomar conta de rapazes. Agora é um homem a tomar conta de cinco mulheres.

É mais um contraponto. O mundo dos negócios, a estrutura das empresas, vai ser muito mais feminina no futuro.

 

Isso é uma boutade. Em termos estatísticos é um mundo masculino, de modo esmagador. Na prática, o que é que quer dizer quando diz que será um mundo feminino?

O mundo que temos construído é um mundo onde a testosterona domina, claramente. Mas a guerra não é a referência futura para os negócios. (Falando de hormonas, fiquei um pouco chocado com a sua frase!, continuo a ter acne, sou jovem, tenho acne.) Marx, como economista, tinha razão. O capitalismo encerra o seu próprio fim, produz a alienação das pessoas, produz uma acumulação de riqueza que não tem limites, um fetichismo das commodities. Em qualquer caso, este mundo não é sustentável com uma postura deste estilo, em termos de consumo de recursos, em termos de diferença entre as pessoas. Estes valores masculinos não são sustentáveis. Como dizia um professor do IMD [Business School, Lausanne], vamos viver uma fase em que Hércules meets Buda, em termos de flow, de emoção.

 

Está a dizer que numa escola como essa lhe ensinam coisas como Hércules meets Buda?

Não me ensinaram, procurei. Mas o mundo está a caminhar nesse sentido, acredite. As mulheres são muito melhores a tratar assuntos complexos, são capazes de integrar muitos planos diferentes.

 

Quando olho para o seu conselho de administração, na fotografia aparecem três homens.

Somos só três. Mas temos feito uma reorganização e promovemos mais duas mulheres para os corpos de direcção.

 

Avise-me quando nessa fotografia estiverem pelo menos duas mulheres e um homem.

Mas isso não vai acontecer no curto prazo. Demora décadas.

 

Não sei o que faz a sua mulher, mas viajando tanto, é preciso alguém que fique em casa a assegurar que as coisas funcionam, a tomar conta de quatro filhas.

Pelo contrário, a minha mulher fez um percurso interessante. O pai trabalhava na hotelaria, viveu em determinados lugares, estudou nos Estados Unidos, fez algumas coisas em Paris. Estudou gestão. Não gostou. Foi honesta consigo própria e começou Farmácia. Trabalha na indústria farmacêutica, e nunca deixou de trabalhar. É um facto que é preciso ter determinadas condições para conseguir isso, ajuda doméstica.

 

Graduou-se em Economia na ESADE Business School de Barcelona, fez o MBA na Suíça. O que é que nesta duas escolas, tão prestigiadas, aprendeu de determinante?

Duas coisas diferentes. Sempre paguei eu próprio os meus estudos, nunca pedi nada aos meus pais.

 

Porque é que isso foi importante para si?

Queria uma coisa, tinha que ser capaz de gerar os meios para a fazer. Só quando fazemos isso valorizamos as coisas. E não foi fácil pagar os estudos na Suíça. Era muito caro, gastei uma grande parte do dinheiro que tinha poupado. Aprendi coisas diferentes. Fiz a ESADE porque o dinheiro é uma variável fundamental. É um pouco como a energia, não se cria nem se destrói – transforma-se. E temos que perceber como é que o dinheiro se transforma, na economia, nas finanças. Foi uma motivação técnica. No caso do IMD foi diferente. Aprendi muito sobre mim próprio, porque somos confrontados com as nossas fraquezas, com a nossa arrogância. Toda a gente que vai a estas coisas tem sido bem sucedido – por isso são aceites. O IMD é a escola do mundo com maior número de candidatos, é uma turma de 80 pessoas. O grande objectivo é destruir tudo o que trazemos, os preconceitos. Lembro-me de numa sessão um astrofísico mostrar o universo: “Este é o universo, milhões de estrelas, este é o sistema solar, esta é a Terra e vocês estão cá. Perante este panorama, imaginem a irrelevância das vossas decisões”. É uma questão de contextualizar.

 

Por mais conscientes que sejamos dessa realidade, é fácil perder isso de vista quando estamos a decidir e a liderar uma empresa.

O dia-a-dia está feito de inúmeras decisões, sobre pessoas, negócios, investimentos, clientes. A minha responsabilidade, mais do que a de qualquer outra pessoa nesta casa, é garantir que gerimos o contexto, que criamos condições contextuais, que contextualizamos as decisões, que criamos um caminho. Temos que ver a floresta no seu conjunto e não estar só perdidos entre as árvores. É fundamental nas empresas que alguém faça isso. Quando deixamos de o fazer, acontece o que está a acontecer neste momento em Portugal e na Europa no seu conjunto. Estamos a ser um pouco bóias nas marés. Na vida e nas empresas há as pessoas tipo barco e as pessoas tipo bóia. Os barcos têm um destino, um caminho, escolhem um rumo. Às vezes apanham uma trovoada e afundam-se, mas quase sempre chegam a um ponto. As bóias nunca se afundam, levam-nas as marés. E quantas pessoas conhecemos, em todos os âmbitos, políticos, económicos, profissionais, que são tipo bóia, que nunca se afundam, nunca fazem nada de jeito?, e cujo máximo objectivo é sobreviver?

 

Nunca quis ser uma bóia, desde o princípio.

Procuro não ser, embora haja dias em que somos. Há dias em que não temos energia para lutar contra a adversidade.

 

Estava a falar no que aprendeu no IMD e na ESADE. Realmente chegou lá e pensou: “Estes tipos são melhores que eu”?

Cheguei lá com coragem – tenho que sair da minha zona de conforto. Era muito mais confortável fazer outras coisas. O meu inglês não era fabuloso. Era suficientemente bom no mundo profissional, mas comecei a viver com pessoas de 40 países diferentes. Aos 26, 27 anos, quando fiz isto, também não tinha vivido sozinho. Foi um choque emocional.

 

Acho que o treinaram bem, porque ainda não percebi verdadeiramente as suas vulnerabilidades.

Isso é uma pergunta a que o treino nos ajuda a responder, com vícios mais ou menos pequenos para não mostrar que temos vícios ou problemas maiores. Estou a tentar ser o mais sincero possível. As minhas vulnerabilidades: sou impaciente, às vezes sou inseguro. Essa insegurança produz algum desconforto, seria mais simples e mais feliz se me agarrasse a algumas verdades absolutas, que me dessem confiança…

 

Deus é uma verdade absoluta para si? Esse aspecto é importante?

Passei a minha vida em colégios religiosos. Acredito em forças superiores, acredito num Deus, mas não gosto dos ritos e das rotinas.

 

Com este percurso, seria fácil pensar que é o tipo de elemento que a Opus Dei cobiça.

É verdade, no passado. Até porque, com tantos filhos, sou altamente suspeito [riso]. Muitas pessoas me dizem isso. Mas não. Tenho muitos amigos da Opus Dei.

 

Em resumo, foi cobiçado mas não é Opus Dei.

Não, não sou. Tenho algumas convicções. Valores que podem ser associados à disciplina, ao esforço, à tolerância, e até a algumas ordens religiosas. Mas pensei que era muito melhor criar o meu caminho do que estar submetido a regras e a rituais que me parecem tentativas de auto-justificação. É mais gratificante, embora difícil, procurar o meu próprio caminho.

 

A marca dos colégios por onde passou, percebe que ainda está em si? Numa determinada maneira de funcionar com os outros.

É verdade. Estive nos Escolápios, uma ordem religiosa que não existe em Portugal. Toda a minha infância, desde os três anos até aos 17, 18 anos. Estava em casa, ia almoçar a casa, era perto. Nasci durante a ditadura de Franco. Não se podia falar catalão. Em casa falávamos castelhano. Mas nessa escola, nessa Ordem, era possível dar as aulas em catalão. Franco tinha muito respeito pelos padres.

 

Ainda fala catalão? Fá-lo sentir-se em casa?

A minha mulher fala catalão, e procuro que as minhas filhas falem um pouquinho de catalão. Não consigo muito. Este episódio transmitiu alguns valores, de tolerância, de luta, de inconformismo. Os meus pais são católicos e praticantes, os meus sogros também, mas nunca tive a opção de seguir determinados caminhos.

 

A passagem pelos Escolápios ajuda a compreender melhor a sua dinâmica. Não é um individualista. Mas é aquele que sempre procurou a liderança. E não vale a pena dizer que não procurou a liderança, senão não tinha feito todo este percurso.

Não digo que não. Cada um de nós procura o benefício pessoal, e o segredo numa empresa é alinhar os egoísmos das pessoas com o egoísmo da empresa. Oferecemos massagens às pessoas. Na ONI é obrigatório fazer consultas de nutrição, estar em boa forma física. Pagamos as consultas de nutrição às pessoas que têm problemas de obesidade porque achamos que pessoas em boa forma física são mais produtivas.

 

E também pagam psicólogos?

Ainda não.

 

Nelson Rodrigues escreveu sobre a selecção brasileira (o escrete): “Estão a postos os jogadores, o técnico e o massagista. Mas quem ganha e perde as partidas é a alma. Teríamos sido campeões do mundo, naquele momento, se o escrete houvesse frequentado, previamente uns cinco anos, o seu psicanalista”.

Somos ainda muito uma empresa de engenheiros. Nós, os engenheiros, gostamos de usar palavrões, e mostrar que sabemos muito. E só o fazemos para criar barreiras, para excluir os outros, mostrar que temos razão. Temos uma abordagem de portfólio muito orientada para a engenharia, muito tecnológica. O nosso grande objectivo é acrescentar emoção ao nosso portfólio, e estamos a ter resultados espectaculares.

 

A sua maneira de falar não é a de um engenheiro. Mas é completamente a maneira de uma pessoa que frequentou uma escola na Suíça ou que passou por Silicon Valley. A insistência e a tónica que põe na emoção é um tipo de abordagem destas novas escolas.

É um conceito que discutimos muito: que a felicidade tem uma vantagem competitiva, que as pessoas felizes produzem mais. Só há progresso quando aspiramos a criar coisas melhores do que as que temos hoje, e para isso temos que ter as tais secure basis.

 

Qual é o seu egoísmo?

O meu grande egoísmo é ser exposto a desafios que me enriqueçam pessoalmente. Desafios que me façam mais forte, que me falem dos meus limites, que me ajudem a conhecer-me a mim próprio. Aspiro a ter desafios cada vez maiores.

 

E o dinheiro?

O dinheiro não é um drive em si próprio, o dinheiro é uma consequência. Nunca tomei uma decisão na minha vida só por dinheiro, o dinheiro acompanhava.

 

A sua forma de gratificação é mais uma confirmação das suas competências e um teste aos seus limites?

Isso é o que mais prazer me dá. E conhecer pessoas interessantes.

 

Quem é que quer impressionar?

A mim próprio. Tenho uma grande vantagem: vivo longe da minha família, não tenho que impressionar os meus pais. Não percebem muito bem o que faço, e procuro que nem saibam, para dizer a verdade. Não gosto nada de falar da minha vida profissional. Nem com os meus irmãos. É uma circunstância. Dá-me prazer ter responsabilidade. O poder não me interessa muito. Interessa-me mais a autoridade, interessa-me mais o respeito ganho por pessoas que respeito também, e que reconhecem valor no que faço. Mas sobretudo interessa-me a minha ideia própria. No final da vida só temos que responder a nós próprios.

 

Enquanto sociedade, nós, os portugueses, somos ainda mais impressionáveis por uns quantos sinais?

Muitíssimo mais. Em Espanha são muito menos importantes os símbolos externos.

 

Quais são esses símbolos em Portugal?, o carro, a mulher que se tem, o sítio onde se faz férias?

É a marca. A marca do carro, da roupa, do telemóvel. Ouvi esta frase sobre a origem da crise: “Comprámos coisas das quais não precisávamos, e pelas quais pagámos muito mais do que valiam, com dinheiro que não tínhamos, para impressionar pessoas que não conhecíamos”. Isso é a realidade do que estamos a viver. O meu egoísmo é querer impressionar-me a mim próprio. Há dois luxos: poder viver uma vida autêntica, e ser dono do nosso tempo. É aí que falho. Falta-me tempo para estar mais comigo próprio.

 

Nesse caso sou mais rica eu. Dá-me algum consolo.

Tem-me faltado coragem, mas não duvido que a minha próxima etapa profissional vai ser muito mais empreendedora.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2011